André Lemos é PhD em sociologia e professor da Universidade Federal da Bahia. É pesquisador da área e autor dos livros ‘Olhares sobre a Cibercultura’, ‘Cibercultura’, entre outros títulos. Lemos mantém um site e também uma conta no Twitter e acredita no potencial de transformação que as ferramentas digitais vão trazer para o mercado cultural. Ele foi nosso décimo quarto entrevistado.
“A gente tem hoje dois sistemas funcionando em extensão, um que é a indústria cultural clássica, passiva, que tem um processo de adequar produtos a uma massa de espectadores, ouvintes, e outro que é um processo mais conversacional, transversal, de baixo para cima, que está provocando algumas mudanças e reações na indústria. Eu acho que para o usuário e para o produtor, artista, músicos em geral, esses sistemas são muito positivos porque oferecem duas instâncias, uma mais passiva e outra mais aberta, mais tranversal em que se tem a possibilidade de controlar todo o processo produtivo, não sendo apenas um receptor, mas também um produtor ativo de conteúdo. Eu vejo para a paisagem comunicacional e para a cultura contemporânea um avanço considerável porque essa tensão é benéfica para todos”, disse em entrevista feita por telefone.
“Antes se comprava um LP, um CD todo, agora você pode comprar uma música e isso já agrega uma adaptação aos novos tempos. A partir do momento que a maioria das práticas exercidas hoje no mundo coloca as pessoas na ilegalidade, marginalidade e transforma a criativadade juvenil em pirataria é porque alguma coisa está errada. Você não pode transformar toda uma população de usários em marginais. Se isso acontece é porque tem alguma coisa esquisita, elas [as empresas] têm condições, dinheiro e massa cinzenta para buscar novas alternativas. Não querem fazer isso ainda porque isso significa uma mudança efetiva na margem de lucro, nos negócios, mas a longo prazo, acredito que vamos ver aparecer por aí muitos formatos diferenciados, como já vemos algumas gravadoras virtuais, editoras de livros de ebooks, essas coisas começam a aparecer e mostram esse impacto”.
“Em todas as áreas estamos tendo mudanças, talvez na área da música e na distribuição de imagens tenha sido com mais impacto. Mas no fundo, eu acho que o que caracteriza essas transformações é a possibilidade de as pessoas poderem produzir, de consumir, distribuir informação. Isso é a base e é o que está na estrutura da rede. Esse poder de produzir obras com a participação e colaboração de outros, que era o mais complicado e difícil”.
“[Os artistas devem] tentar utilizar ao máximo os dois sistemas. Eu não tenho uma visão muito purista de achar que você tem que partir para um lado totalmente alternativo. Eu acho que a depender da sua colocação no universo onde você insere (vídeo, música, cinema) é importante, assim como transitar por todos os sistemas, desde uma grande gravadora até disponibilizar suas músicas em sites sociais e criar seu nicho. Eu acho que o artista começando hoje deveria atacar em todas as frentes, tentar todas as frentes e saber o que se pode ganhar em cada uma delas. O sistema mesmo vai tentar se organizar a partir desta dinâmica, é importante que tenham pessoas que possam disponibilizar as suas obras de maneira mais livre e participativa, mas que também possam viver da sua obra, seja com shows e outros produtos agregados a sua obra. Acho que o artista hoje tem muito mais possibilidades de fazer valer seu trabalho do que quando ele era centralizado por uma indústria que não poderia acolher a todos. Hoje, com essas plataformas, você tem a possibilidade de existir e viver do seu trabalho“.
“As mídias nunca são universais. Quando se fala em democratização, se pensa em universalização do acesso. De forma comparativa, a internet é muito mais democrática que os outros meios porque ela permite que você produza e distribua informação livremente com poucos recursos e sem concessão do Estado. Hoje se pode ter um veículo de comunicação usando um local público, pagando pouco ou tendo essas ferramentas em casa. Obviamente ela não é universal por causa do acesso, que ainda é um problema em vários países, inclusive no Brasil. O tempo que a internet demorou para atingir 50 milhões de usuários foi muito mais rápido que as outras mídias demoraram para fazer o mesmo. Temos aí um processo que temos que aproveitar politicamente e socialmente também. Num país como o nosso, carente de muitas coisas, essas tecnologias são importantes para dinamizar a cultura e a economia”.
* foto de flickr.com/lufreitas
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