Por Paulo Lima
A um prosaico boneco de banco é delegada a messiânica tarefa de salvar o mundo. A proposta de narrativa soa um tanto apelativa e, por vezes, infantil. O estreante Shane Acker ainda não possui na direção uma marca de confiança. E logo se cai no ledo engano de subestimar “9 – A Salvação”, uma animação que vai além das expectativas. Se tem por trás a produção de Tim Burton, que esbanja a sua conhecida sensibilidade em relação à solidão e à diferença, e do russo Timur Bekmambetov, que possui competência em retratar a violência e a destruição do mundo físico e espiritual.
Apesar dos elementos taciturnos, que vão desde o cenário até os próprios personagens, “9″ está longe de ser um filme de terror. O título remete ao protagonista, um boneco feito de saco de juta, remendos e sofisticadas mãos metálicas, que desperta em meio a inúmeros enigmas, que consomem, do início ao fim, tanto o personagem quanto o público. Mergulhado num mundo pós-apocalíptico árido e hostil, no qual os humanos perderam a guerra contra as máquinas, segue com sua busca por saciar as necessidades mais primitivas, assim como encontrar um lar, um propósito e uma comunidade.
Logo o boneco de número 9 descobre que faz parte de uma série onde restam poucos sobreviventes. O primeiro a encontrar é 2, um perito em ferramentas, que dá a ele a voz e o conforto de saber que existem mais outros, sendo imediatamente abatido por uma fera robótica. Os demais mencionados são 1, que se autoproclamou líder e vive acovardado; 8, um guarda-costas troglodita e boçal; 5, afável e subjugado; e 6, que é autista e tem visões. O bando sofre um abalo com a chegada de 9, que contesta a postura de apenas se esconder e nunca confrontar o perigo.
De certo, um dos aspectos marcantes do filme é o visual maravilhosamente cunhado, com ênfase para as surpreendentes texturas dos personagens, feitos de juta, estopa e malha, e a riqueza de detalhes dos robôs assassinos, híbridos de máquinas e animais. A atmosfera lúgubre, densa e misteriosa é envolvente até certo ponto; depois, cansativa. No entanto, o grande chamariz fica por conta da bem sucedida trama que caminha por entre os planos concreto e abstrato, numa mistura de escombros, peças mecânicas e corpos com magia e sentimentos.
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OBS.1: Se bonecos feitos de pano causam estranhamento, assumindo seu lado escritor, Tim Burton apresenta vários outros personagens ainda mais inusitados no polêmico “O Triste Fim do Pequeno Menino Ostra”, assim como a Garota Vodu e o Menino Múmia. Humor negro é apelido.
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