Tuesday, October 13, 2009

Jogos Mortais 2

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 28/10/2005.

Esqueça Seven. O cartaz publicitário brazuca de Jogos Mortais trazia esta tagline em letras garrafais. Digo tranqüilamente que fazer esta comparação é um exagero sem tamanho. Sim, Jogos Mortais é um filmaço como não se via há um bom tempo: com um roteiro original e personagens carismáticos, a película deu uma bela renovada no gênero de suspense, que não via uma grande produção há exatos dez anos, desde o lançamento do próprio Seven – Os Sete Crimes Capitais, em 1995 – pessoalmente, sou fã devotado das duas fitas. Mas também sou ponderado e bem pé-no-chão; portanto, digo que, independente de suas muitas qualidades, Jogos Mortais não é poderoso o suficiente para chegar ao nível de Seven, indiscutivelmente uma das grandes surpresas do cinema de horror contemporâneo.

Falemos agora de Jogos Mortais 2 (Saw 2, 2005). Como todos sabem, o inesperado sucesso da primeira fita impulsionou sua distribuidora, a Lions Gate, a viabilizar uma continuação. E como era de se esperar, este que vos escreve aguardou cada notícia acerca da produção com muito amor, carinho e ansiedade. Até que, finalmente, o trailer oficial foi divulgado. Não é segredo pra ninguém que não gostei nada do que vi – vamos concordar: o negócio ficou com uma cara horrorosa de “terror-teen-descartável”. Pra completar o caldo, só faltou mesmo a presença do tosco Freddie Prinze Jr. e da infame Sarah Michelle Gellar. Creeeeda!

Felizmente, tenho uma ótima notícia: esta continuação não é, de jeito nenhum, algo no estilo Amaldiçoados ou A Casa de Cera (sinal da cruz). Aliás, a produção é bem melhor do que eu esperava, fazendo jus ao valor do ingresso. Mas um ponto crucial deve ser frisado, marcado, destacado, colocado em negrito, itálico e sublinhado: Jogos Mortais 2 definitivamente NÃO É melhor que o primeiro, como muitos veículos de imprensa gringos e brazucas andam divulgando por aí, nem pensar. Não vamos exagerar, não é pessoal?

Antes que fale (ops, escreva) qualquer coisa sobre a fita, comento logo: Jogos Mortais 2 segue o mesmo padrão de filmes como Plano de Vôo e a própria primeira parte das desventuras do nosso amiguinho Jigsaw, aquele que não sabe brincar (!). Ou seja: se você não souber absolutamente NADA sobre a película, a sessão será indubitavelmente mais divertida. Enfim, não entregarei nenhum segredo vital do longa, restringindo-me apenas à sinopse divulgada pelo estúdio, mas se você preferir descobrir as coisas por si só… PARE DE LER ESTE TEXTO AGORA! Aproveita e dá uma passeadinha pelo site, que tem matérias bem bacaninhas para você. Clique no logo do site, lá em cima, volte à página principal e seja feliz!

Então, voltemos à nossa programação normal.

Primeiro, um aviso importante: se você ainda não assistiu a Jogos Mortais, não adianta nem pensar em ir ao cinema. Alugue o primeiro, antes de qualquer coisa. O fato é que Jogos Mortais 2 não é, digamos, uma aventura paralela. Há uma infinidade de ligações com o longa original, que deixarão um belíssimo ponto de interrogação no cérebro de quem chegou agora. Há, inclusive, uma série de referências desta produção em sua antecessora – o roteirista, Leigh Whannel (o mesmo que deu vida ao misterioso fotógrafo Adam, um dos personagens centrais do original), certamente deveria ter tudo esquematizado ao desenvolver os dois roteiros. Pelo menos é o que imagino.

Para quem está com preguiça de ir até a locadora, eu dou uma palhinha rápida do que foi Jogos Mortais: Jigsaw, ou O Assassino do Quebra-Cabeça (vivido por Tobin Bell, um sujeito que dá muito medo), citado em um dos parágrafos acima, é um serial killer que escolhe uma pessoa e arma uma espécie de “jogo” com ela. Se a pessoa não concluir o jogo, morre. Simples assim. O problema é que o próprio desenrolar da “brincadeira” oferece momentos bastante aflitivos, para dizer o mínimo… Enfim, o cara nunca foi capturado pois teoricamente não pode ser considerado um assassino, já que nunca mata suas vítimas com as próprias mãos: apenas dá todas as peças para que elas façam isto por si só. Vixe!

Em Jogos Mortais 2, escrito por Whannel em parceria com o semi-estreante Darren Lynn Bousman (o diretor do filme), o meliante está de volta, e desta vez concentra-se no detetive Eric Matthews (Donnie Wahlberg), que anda levando na cabeça por conta de seu filho rebelde, Daniel (o mala Erik Knudsen). Como se não bastasse ter que buscar o moleque na delegacia vez por outra, o policial ainda é forçado a investigar uma série de mortes atribuídas ao perigoso assassino – o primeiro bastardo infeliz que cai nas garras do serial killer, aliás, rende uma seqüência de abertura visualmente perturbadora.

O jogo muda (perdoem o trocadilho) quando um pista leva Matthews e sua ex-parceira Kerry (Dina Meyer, uma “sobra” bem interessante do original) direto ao esconderijo do Assassino do Quebra-Cabeça; lá, o detetive descobre que o lunático pôs em prática mais uma traquinagem, envolvendo nada menos que OITO pessoas (!) trancafiadas num casarão abandonado, que ninguém sabe onde fica, e respirando algo que poderá matá-las em duas horas caso não consigam achar a saída. Uma destas pessoas é Daniel. As outras seis são pessoas desconhecidas que possuem alguma ligação entre si. A oitava vítima é uma velha conhecida do psicopata e também da galera fã da série: Amanda (Shawnee Smith), a viciada em heroína que quase se estrepou na “armadilha de urso ao contrário”… Para salvar seu filho, Matthews precisa apenas manter a calma e ouvir o que Jigsaw tem a dizer.

E é isso. Falar mais estraga a surpresa. Sim, há surpresas, muitas surpresas! O troço não é tão simples quanto parece. A história mescla a luta dos indivíduos para sobreviver, o embate psicológico entre Eric Matthews e o Jigsaw, e vários flashbacks que recontam o passado do maluco e dão algumas pistas dos motivos que levaram o cara a praticar os tais joguinhos bizarros.

O bacana é que a história de Jogos Mortais 2 acaba entrelaçando-se com alguns eventos do primeiro longa, o que amarra algumas pontas abertas. E quem ficou encucado com a conclusão do original, ficará muito contente em saber que esta segunda parte finalmente revela o que diabos aconteceu com Adam e o Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes), os “bonequinhos” preferidos do Jigsaw no passado. E por falar em conclusão, prepare-se para ficar com aquela cara de “meu Deus, por que não pensei nisto antes?” ao sair do cinema. É, o final é mais surpreendente que o outro!

Maaaaaas… nem tudo são flores. Jogos Mortais 2 não é perfeito, e peca num aspecto fundamental: empatia. O que acontece é que o antecessor apóia-se bastante na construção dos personagens centrais, Adam e Gordon. O espectador convive com os dois praticamente o filme inteiro, o que ajuda a criar um elo. O fotógrafo e o médico são personagens tridimensionais, muito bem construídos psicologicamente. Logo, o espectador automaticamente identifica-se com eles. E como conseqüência, torce pela sua sobrevivência.

Infelizmente, não é o que acontece aqui: é tanta gente pra cuidar, tanta gente pra dar atenção, que o tratamento dispensado pelo roteiro a cada um é ultra-superficial. E não é só isso: os personagens são pouco interessantes e os atores escolhidos para vivê-los são insuportavelmente antipáticos. Enquanto no primeiro era fácil sofrer a cada sinal de aproximação do Jigsaw, aqui você realmente torce para que todos batam logo a caçuleta – e quando finalmente alguns partem desta para uma melhor, ninguém sente falta. Bem que os roteiristas poderiam ter perdido mais um tempinho reescrevendo um ou outro personagem. Não custaria nada, seria totalmente “di grátis”!

Este pequeno detalhe influi diretamente na construção do script: enquanto o horror era extraído da tensão entre Adam, Gordon e o próprio assassino serial no longa original, nesta seqüência só o que temos é uma sucessão de mortes nojentas e bizarras. O lado psicológico do “jogo” armado pelo Jigsaw é simplesmente ignorada a favor de cenas gore – o que, diga-se de passagem, não é a proposta do Jogos Mortais original de jeito algum, visto que seus piores momentos ficaram na sugestão. Mas fazer o quê? O estúdio mandou assim, então é assim que deve ser!

Nada disso, entretanto, compromete a película, que continua sendo uma ótima diversão, daquelas que vale o preço do ingresso tranqüilamente. Só não vá ao cinema esperando conferir um clássico da indústria cinematográfica ou uma fita melhor que o primeiro Saw, pois você correrá o risco de se decepcionar feio! Assista, sinta nojo e surpreenda-se com o final bem-bolado. Depois, vá para casa e emende uma sessão do longa original com bastante pipoca, pizza e guaraná. E em seguida, apague as luzes e assista Seven com o seu esfíncter na mão – só para ter a certeza de quem é que realmente manda na área.

CURIOSIDADES:

• Donnie Wahlberg, que vive o detetive Eric Matthews, é irmão de ninguém menos que o ultralegal Mark Wahlberg (de Quatro Irmãos). Donnie também foi integrante da finada boy band New Kids On The Block (sinal da cruz e uma oração), e é mais conhecido no cinema por conta de seu papel em O Sexto Sentido, como o louco suicida de cuecas que invade a casa de Bruce Willis na seqüência inicial.

• Jogos Mortais 2 foi rodado em apenas 25 dias.

• O primeiro cartaz de Jogos Mortais 2 foi censurado pela hipócrita MPAA, mais conhecida como Motion Picture Association of America, por escancarar dois dedinhos amputados formando o número 2 em algarismos romanos. Para driblar a censura, os produtores confeccionaram um novo pôster com os mesmos dedos, mas omitindo o pedaço amputado. O mesmo aconteceu com os maravilhosos cartazes do primeiro Saw (que revelavam um pé e uma mão amputados). Eu nem falo nada. Pôster com a cara feiosa do Tom Hanks eles não proíbem, né?

SAW 2 • EUA • 2005

Direção de Darren Lynn Bousman • Roteiro de Leigh Whannel e Darren Lynn Bousman

Elenco: Donnie Wahlberg, Tobin Bell, Shawnee Smith, Franky G, Glenn Plummer, Dina Meyer, Emmanuelle Vaugier, Beverley Mitchell, Erik Knudsen, Tim Burd.

93 min. • Distribuição: Lions Gate Films.

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