Lembra da música do John Lennon? Eu tinha um CD com várias canções representativas de diversos artistas, comprado num camelô da Bahia (a seleção juntava Lennon, Gun’s n’Roses, Dire Straits, R.E.M., Creedence Clearwater Revival e muitos outros que fizeram hits enfarofados, trilha dos meus verões juvenis), e ouvia direto essa faixa. Adoro a entrada abrupta do vocal, ditando o ritmo da canção, a melodia triste, assim como em Girl, porém com uma agressividade amarga e desoladora. Com frequência me pego cantando o primeiro verso, o grito de desabafo que dá título a este post.
A protagonista do novo filme de Bong Joon-ho também é uma mãe. Uma solitária mãe que ama seu único filho de maneira incondicional. Um amor tão sufocante como o da personagem materna de Isabella Rossellini em Amantes, de James Gray.
Para provar a inocência do filho, supostamente preso por displicência judicial, a mãe de Bong Joon-ho vai sozinha buscar provas que lhe devolvam seu rebento. Os fins, para ela, justificam os meios. O argumento não é nada original. É uma variação do nosso Zuzu Angel, por exemplo, que eu nem cheguei a assistir.
Mas Bong Joon-ho, além de ter um nome assaz estiloso, não é o cara que fez Zuzu Angel (alguém lembra o nome do biltre?). Calculado meticulosamente na armação de seus detalhes, Mother, o filme, concilia um roteiro de precisão quase matemática com a carga emocional de um casamento desfeito (afinal, o filho ainda dormia com a mãe), pontuado por crises de riso e outras de silêncio profundo.
O Hospedeiro, filme anterior do sujeito, já apontava uma sensibilidade singular para harmonizar diferentes tons de expressão dentro de uma mesma narrativa. Mother é mais discreto ao investir em seu passeio por gêneros, mas não deixa de transparecer uma evolução na composição dos planos, vários deles de grande intensidade visual.
Cito dois: o que abre o filme, um amarelo de Van Gogh, que concede espaço para uma dança discretamente deselegante e não menos que sublime da protagonista; e o último, uma panorâmica interna de um ônibus, com a luz estourada e a câmera tremida simbolizando a turbulência do esquecimento.
Bong Joon-ho investe em truques de roteiro para montar uma peça intricada, de difícil execução, isentando o amor de mãe de qualquer proposição moralista e dando à ela o direito de fazer o que bem entender para salvar o filho. O que importa, no final, é que a família permaneça unida. Mesmo que, para isso, seja preciso acolher ao sacríficio através do fogo e de pedaços infelizes da memória.
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