Sunday, September 20, 2009

A Vingança dos Nerds

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 28/09/2004.

Em 1984, o mundo ainda estava meio atordoado com a explosão dos filmes de aventura, cortesia do lançamento de Os Caçadores da Arca Perdida, as sátiras amalucadas ao estilo de Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu e Loucademia de Polícia e a comoção causada pela chegada de E.T., O Extraterrestre. E eis que surgem dois completos retardados, fundam uma fraternidade no mínimo esquisitona e arrasam em pleno verão americano. A Vingança dos Nerds (Revenge of the Nerds, 1984) chegou de mansinho, fez um enorme sucesso, se tornou cult, gerou três continuações e simplesmente definiu a década de 80 como a era de ouro do cinema besteirol, ao lado da obra-prima O Clube dos Cafajestes (que é, na verdade, do final dos anos 70 mas foi lançado oficialmente nos cinemas em 1980) e da infame cinessérie Porky’s. Mas o que há de tão especial em um filminho com pretensão zero, dirigido por um semi-desconhecido, estrelado por dois mais desconhecidos ainda e recheado de piadas de extremo mau gosto?

Bem, nessa época os filmes de comédia eram bem mais sutis – à exceção dos alucinados trabalhos da equipe Zucker, Abrahams & Zucker –, e Hollywood começou a notar que não havia muitas opções aos adolescentes (que correspondiam na ocasião a cerca de 70% dos ingressos vendidos nas salas de projeção). Com medo de perder esta grande fatia de público, os estúdios começaram a investir pesado em projetos que atingissem o núcleo jovem. A Vingança dos Nerds, dirigido por Jeff Kanew (que depois comandou o divertido Gotcha! Uma Arma do Barulho e a tragédia Bonita e Perigosa, fora alguns episódios do seriado de TV O Toque de um Anjo), utilizou algumas gags herdadas das comédias pastelão dos anos 20 e também dos trabalhos de Jerry Lewis, injetando aí uma dose cavalar de malícia e ambientando seu enredo em um colégio secundário, facilitando a identificação dos jovens com as situações narradas no roteiro.

O resultado disso foi uma ótima bilheteria em 1984 (o caixa do filme foi fechado com pouco mais de US$ 40 milhões só nos States, cinco vezes mais o que a produção custou), mesmo com as críticas negativas – que consideravam o roteiro “pobre e escatológico” e os personagens “estereotipados demais”. Pura balela: tudo no longa é estereótipo, e é justamente este fator que o torna tão engraçado. Afinal, que colégio adotaria a categoria “intensidade de arroto” com parte do quadro de competições dos jogos estudantis?

O fiapo de roteiro é este: logo que chegam ao seu primeiro dia de aula no colégio Adams, os nerds absolutos Lewis (Robert Carradine) e Gilbert (Anthony Edwards), decididos a se tornar populares e ganhar as gatas, descobrem que nada será tão fácil como imaginam. Afinal, ambos usam camisas de botão fechadas até o pescoço, andam com milhares de canetas nos bolsos, têm óculos com aros enormes e calças que chegam a cobrir o estômago… hehehe!

Os dois amigos, junto a outros vários nerds similares, são expulsos de seu alojamento pelos populares caras da fraternidade Alpha Beta, liderados pelo prepotente Stan Gable (Ted McGinley), quarterback e também presidente do corpo estudantil. O motivo? São dois: primeiro, eles odeiam nerds. Aliás, os enjoados atletas são capazes de vomitar quando cruzam com algum nerd pelo campus. Segundo, os figuraças, que nitidamente sofrem de ausência de massa encefálica, incendiaram o alojamento do Alpha Beta em um dia de festinha e agora precisam de um lugar para dormir… Temporariamente instalados no ginásio, os nerds vêem a sorte grande quando conseguem uma casa caindo aos pedaços para transformar em seu lar.

Então, conhecemos a bizarra e hilária galeria de personagens secundários: o violinista Poindexter (Timothy Busfield), o problemático Harold (Andrew Cassesse), o sorridente Takashi (Brian Tochi), o “alegre” Lamar (Larry B. Scott) e o nojento Booger, ou simplesmente “Meleca” (Curtis Armstrong). A partir daí, é humilhação em cima de humilhação. Os nerds finalmente conseguem se incorporar a uma fraternidade – a ridícula Lambda Lambda Lambda – e, com o auxílio das meninas-nerds da Omega-Mu (!), planejam uma vingança contra a Alpha Beta, ao mesmo tempo em que Lewis se apaixona pela insuportável Betty Childs (Julie Montgomery), a garota mais popular da escola e namorada de Stan Gable. E dá-lhe piadas com porcos, invasões ao vestiário feminino, corridas de triciclos, maconha, sexo e a melhor tiração de sarro em cima de uma banda nos últimos anos (no caso, o grupo eletrônico alemão Kraftwerk, lembra desses caras?).

A Vingança dos Nerds se tornou um marco no cinema besteirol por jogar no ventilador o conceito bem definido (inclusive pelo próprio cinema, por sinal) dos “vencedores” e dos “perdedores”. É hilariante – e também reconfortante para quem se vê em situações semelhantes às do filme – ver um grupo de “desajustados” ao universo escolar se dando bem em cima do clichê do aluno perfeito (os atletas bonitões) e conquistando as meninas mais desejadas da escola no final da sessão. Algumas das cenas mais engraçadas da época vieram daqui: a seqüência do primeiro baile promovido pela Lambda Lambda Lambda é antológica, daquelas que você não pode rir por muito tempo pra não perder a piada seguinte – com destaque para a “dança sensual” de Lamar. E Booger, o suíno interpretado por Curtis Armstrong, foi eleito recentemente o personagem mais carismático (e mais infame!) da década de 80, junto com o escroto Ogro, o grandalhão da Alpha Beta saído direto da idade da pedra, interpretado por Donald Gibb.

Os diálogos ajudam muito. Só para se ter uma idéia, em determinada cena, um dos nerds repara que o outro está ficando caído por uma autêntica cheerleader e alerta: “Ei cara, ela não é o seu tipo de garota”. E o outro responde na bucha: “Por que? Ela tem pênis?” (!). Este também foi um dos primeiros longas a escancarar cenas de nudez explícita (quer dizer, só um topless…), porém no sentido de alívio cômico, sem nenhuma conotação sexual.

O longa também ajudou a alavancar a carreira de alguns de seus atores: Robert Carradine, até então figurante de produções B como Orca, a Baleia Assassina (1978), atuou em Fuga de Los Angeles (1996) e Fantasmas de Marte (2001), ambos de John Carpenter, além de dar vida ao pai da chatinha Hilary Duff na conhecida sitcom norte-americana Lizzie McGuire; Anthony Edwards se tornou o popular Dr. Greene de ER, além de trabalhar em Gotcha, Top Gun – Ases Indomáveis (1986), de Tony Scott, e o recente The Forgotten, que está fazendo relativo sucesso na terra do Tio Sam; Ted McGinley desempenhou papéis importantes nas séries Happy Days (de 1980 a 1984) e principalmente em Married With Children (de 1991 a 1997); e Curtis Armstrong, que interpretou o mais conhecido dos nerds, o Meleca, tinha papel fixo na fabulosa série A Gata e o Rato e pôde ser visto recentemente nas telas como o doente guardinha de O Dono da Festa (2003), com Ryan Reynolds, por sinal um longa que bebe (e muito) na fonte de A Vingança dos Nerds. Além destes, também podemos destacar no elenco (em papéis pequenos) os grandes James Cromwell e John Goodman. Infelizmente, o restante dos atores não teve muita sorte no cinema, vendo suas chances restritas a telefilmes.

A Vingança dos Nerds também deu origem a três seqüências absolutamente desnecessárias. A primeira delas, Os Nerds Saem de Férias (1987) até chegou a ser exibido nos cinemas, mas acabou no vermelho em termos de arrecadação e principalmente em qualidade; já os outros dois filmes, A Nova Geração (1992) e Os Nerds Também Amam (1994) foram rodados como made for TV. Não podemos nos esquecer também dos filhotes que a primeira produção gerou por tabela, como por exemplo, as fraquíssimas cinesséries American Pie e Todo Mundo em Pânico que, apesar de não focar exatamente o mesmo tema, possuem basicamente o mesmo estilo de narrativa – não conseguindo, claro, chegar nem perto da genialidade do longa de 1984.

Junto com Clube dos Cafajestes, este A Vingança dos Nerds marcou uma geração e traçou um novo caminho para a comédia no cinema. Exagero? É só dar uma olhada nas produções que vieram depois de 1984, nitidamente mais maliciosas e escancaradas, mas nem por isso menos inteligentes e criativas. E inocentes, também: afinal de contas, não se vê em A Vingança dos Nerds um traço qualquer de vulgaridade explícita como algumas cenas de Todo Mundo em Pânico. E só pra se ter uma idéia da importância desta comediazinha perdida num cantinho dos anos 80, basta saber que o longa ganhará uma refilmagem, que chegará às telas em 2006 com roteiro de Gabe Sachs e Jeff Judah (dupla responsável pelo chocante e extinto seriado Just Shoot Me). Pois é, amigos, nós realmente estamos dominando tudo na bagaça! Vida longa aos nerds! É isso aí! Neeeeeeerrrrrrds!!!!

CURIOSIDADES:

• Os administradores da Universidade do Arizona concordaram em permitir o uso de suas dependências para as filmagens de A Vingança dos Nerds, mas voltaram atrás quando leram o roteiro e descobriram o quão nojento era. Não se sabe bem como, depois de alguns dias os caras misteriosamente reavaliaram sua decisão, não só liberando o uso da Universidade como também cedendo funcionários e estudantes para atuar como figurantes.

• Com o intuito de “testar” sua caracterização nerd, Robert Carradine e Anthony Edwards visitaram um colégio nas dependências do Arizona e bateram à porta de uma fraternidade, com intenção de se juntar a eles. Foram expulsos no ato.

• Quando foi entrevistado pelos produtores, que ainda não tinham um diretor contratado para A Vingança dos Nerds, o cineasta Jeff Kanew foi questionado sobre que espécie de trabalho teria em mente. O diretor respondeu: “Qualquer um em que me sinta envergonhado por estar utilizando meu nome”. Eles o contrataram imediatamente.

REVENGE OF THE NERDS • EUA • 1984

Direção de Jeff Kanew • Roteiro de Jeff Buhai, Miguel Tejada-Flores e Steve Zacharias

Elenco: Robert Carradine, Anthony Edwards, Timothy Busfield, Andrew Cassesse, Curtis Armstrong, Larry B. Scott, Brian Tochi, Julie Montgomery, Michelle Meyrink, Ted McGinley, Matt Salinger, Donald Gibb, John Goodman, James Cromwell.

90 min. • Distribuição: 20th Century Fox.

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