Friday, September 25, 2009

Kinsey - Vamos Falar de Sexo

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 10/03/2005.

O zoólogo e professor de biologia Alfred Charles Kinsey (1894-1956) não é lendário apenas por suas atividades citadas ao início desta linha. Na verdade, a atividade que o tornou famoso – e polêmico – é bem mais, na falta de uma palavra melhor, bizarra: Kinsey era algo como um “pesquisador sexual”. Suas pesquisas na área de comportamento sexual humano renderam muitas dores de cabeça para o homem e para sua esposa, Clara Bracken McMillen, durante os anos 40 e 50 – a época do auge do conservadorismo americano -, mas também gravou o nome do professor na História. Ok, beleza, este foi um breve resumo de quem foi o tal do Kinsey. Mas… E daí?

Esta é a sensação que parece pegar o espectador ao final da sessão de Kinsey – Vamos Falar de Sexo (Kinsey, 2004). Definitivamente, os méritos do diretor Bill Condon, do magnífico Deuses e Monstros, não devem ser discutidos. O cara é bom mesmo. Mas sinceramente? Não entendi até agora a necessidade de transformar a vida de Alfred Kinsey em filme. A meu ver, não importa se o cara foi importante ou não: o essencial é que a trajetória da personalidade real a ser retratada tenha um quê de narrativa cinematográfica. Por exemplo: Jim Morrisson, o vocalista dos Doors. Pô, o músico não só é uma pusta lenda como sua vida era totalmente pirada e cheia de elementos cinematográficos (como o índio-fantasma que rondava Morrisson o tempo todo). Sem estes elementos, não há alma. Que é exatamente o que acontece com este Kinsey.

Por outro lado, como comentei no início do parágrafo acima, o fator poderiam-ter-usado-os-milhões-de-dólares-gastos-aqui-em-outra-coisa não muda em nada o fato de que Kinsey é um excelente trabalho técnico. Não há nada fora do lugar: a fotografia é adequada, a trilha sonora, idem, as atuações, genuínas e a direção, mais do que coerente. E o roteiro, o único elemento que concentra as poucas falhas do longa (falarei sobre isso mais tarde), tem a oportuna sacada de não tomar partido de ninguém. Logo, Kinsey, a produção, vale centavo por centavo do dinheiro gasto com o ingresso.

Kinsey começa com uma rápida visita à infância e adolescência do personagem central, vivendo à sombra da religiosidade da família e da rigidez quase psicótica do pai, Alfred Aequine Kinsey (John Lithgow – como que não lembraram deste sujeito no Oscar deste ano, pelo amor de Deus?). Kinsey, o filho, rebela-se contra o pai assim que entra em sua fase adulta, e dedica-se então à sua paixão: insetos. Mais tarde, lá pelos 25 anos (e com o corpo de Liam Neeson, ótimo como sempre), torna-se um zoólogo formado em Harvard e especialista em vespas. Contratado pela Universidade de Indiana, é tido como um perdedor pela maioria dos alunos e funcionários da Faculdade (Biologia é uma área de pouco interesse). O que não o impede de conhecer e, mais tarde, se casar com uma de suas alunas, a curiosa Clara – interpretada por Laura Linney, de O Show de Truman, justificando numa boa a indicação ao prêmio de Atriz Coadjuvante.

O interesse de Kinsey pelo “lado técnico” do sexo surge quando descobre ser, ahn, “incompatível” com Clara, e percebe que até os médicos têm receio de falar sobre sexo – a cena em que o casal Kinsey vai a um médico é muito engraçada, por sinal. Quando alguns alunos começam a procurá-lo para esclarecer dúvidas relativas à sexualidade, Kinsey se entrega de vez à idéia de pesquisar as atividades sexuais como algo puramente científico. Para isto, contrata uma equipe de pesquisadores, dentre os quais se destacam Paul Gebhard (Timothy Hutton, de A Metade Negra), Wardell Pomeroy (Chris O’Donnell, aquele que “matou” o Robin, numa “quase ponta”) e o mais chegado ao zoólogo, Clyde Martin (Peter Sarsgaard, de Meninos Não Choram e Hora de Voltar, outro que merecia ter sido lembrado pela Academia) – este último, aliás, protagoniza uma cena bem pesada ao lado de Kinsey. Pois bem, com sua equipe formada, o professor dá início às suas tarefas.

Alfred Kinsey se tornou polêmico por virar a burguesia puritana de ponta-cabeça e falar sobre sexo com uma franqueza sem limites décadas antes da revolução sexual dos anos 60. Sua técnica consistia em deixar a pessoa à vontade, de modo que ela não se sentisse presa ao falar sobre sua vida de “esbórnia” (!). Este mesmo clima liberal reinava entre seus pesquisadores e suas respectivas esposas, que freqüentemente faziam troca de casais (!?). A fama de Kinsey atingiu o ápice em 1948, quando publicou a primeira parte de seu estudo, intitulado Sexual Behavior of the Human Male, que vendeu mais de 200 mil exemplares e, dentre outras coisas, afirmava que metade dos caras casados tinham casos extraconjugais, 92% dos homens admitiam se masturbar e pelo menos 37% dos homens norte-americanos tiveram experiências homossexuais. Se alguns dos tópicos podem chocar ainda hoje, em 2005, imaginem o estrago que não causou nos anos 40… Nuuuuussa!

Se a primeira parte do estudo levou o nome de Kinsey aos céus, o “volume dois” do negócio, Sexual Behavior of the Human Female, publicado em 1953, teve o mesmo efeito de um puxão de tapete: o livro foi visto como um ataque brutal aos valores norte-americanos, em alta por causa da Guerra Fria. Kinsey perdeu seus patrocinadores e, assim, começa sua descida aos infernos.

Como vocês podem ver, a vida de Alfred Kinsey, por mais polêmica que possa ter sido (e foi, com certeza!), não possui nada tão extraordinário que sustente duas horas de longa-metragem. Afinal, ser apenas um homem à frente de seu tempo não é o suficiente. Ainda assim, o roteiro conta com alguns momentos brilhantes e outros pesadíssimos, como a tão comentada cena do beijo de língua entre Peter Sarsgaard e Liam Neeson. Bem, os mais puritanos realmente acharão a cena difícil de digerir – mas não é nada agressiva ou gratuita. Por outro lado, somos obrigados a engolir troços completamente equivocados. Olhem só: num determinado ponto, Kinsey afirma que, de acordo com seus estudos, os brasileiros num todo são adeptos ferrenhos da zoofilia (!?!?). Bem, de onde nós nascemos, então? De ovos?

E por último, um aviso aos distraídos que enxergam coisa onde não há: aqui, não rola nada de SACANAGEM, o que pode causar certa decepção naqueles cujos hormônios andam mais descontrolados. Se alguém aí quer assistir ao longa-metragem esperando qualquer sacanagem, é melhor ficar em casa vendo ao Noite Afora, aquela coisa tosca apresentada pela Monique Evans! Deus, aquilo é um “crássico”! Ah… mas não passa mais? Saco. Enfim, se você quer ver um trabalhinho bacana, bem escrito e com tudo em seu devido lugar, pode ir numa boa! Só toma cuidado pra não se empolgar nas cenas mais… ahn, digamos assim… legais. É, tem quase nada mas tem! Empreguinho bom esse deste tal de Kinsey…

E um adendo: a Monique Evans não está no filme.

CURIOSIDADES:

• O diretor Bill Condon declarou em uma recente entrevista que seu maior desafio em transformar Kinsey em filme foi abranger em apenas 37 dias de filmagem mais de 15 anos de pesquisa do Dr. Kinsey, em que ele entrevistou mais de 18.000 pessoas espalhadas pelos Estados Unidos. Condon também comentou que, antes de escrever o roteiro, durante as entrevistas que fez com vários colegas do pesquisador, ficou estarrecido com alguns pontos da vida de Alfred Kinsey que não conhecia – e preferiu não incluir no longa-metragem.

• Condon e Laura Linney realizaram uma sessão beneficiente na Universidade de Indiana, onde o pesquisador lecionou, com o objetivo de angariar fundos para o Kinsey Institute.

• A tão polêmica cena do strip-tease de Peter Sarsgaard no motel não estava no roteiro. Foi uma improvisação do ator. Tanto que nota-se a expressão de certa forma assustada de Liam Neeson na cena.

KINSEY • EUA/ALE • 2004

Direção de Bill Condon • Roteiro de Bill Condon

Elenco: Liam Neeson, Laura Linney, Peter Sarsgaard, Chris O’Donnell, Timothy Hutton, John Lithgow, Tim Curry, Oliver Platt, Lyyn Redgrave, Veronica Cartwright.

119 min. • Distribuição: 20th Century Fox.

No comments:

Post a Comment