Sunday, September 27, 2009

Onde os fracos não têm vez: um vilão

Onde os fracos não têm vez: significados sócio-culturais de um vilão

Umberto Eco reflete em seus estudos semióticos a relação que existe entre signos e parâmetros culturais. As estruturas significantes de um quadro no cinema compõem o espaço sócio cultural e interagem entre si. Análises de produtos comunicacionais deflagram, nos signos da obra, um entendimento da realidade e das implicações sociais trabalhadas ali, enquanto roteiro, direção de arte, fotografia, cores.

“Onde os fracos não têm vez” (2007) é classificado como um suspense moderno, taxado como “western”. Logo no início da película – assistir em tela grande, 35 mm faz toda diferença – somos levados a campos e planícies desertas do Texas e a uma narração em off do personagem de Tommy Lee Jones, o xerife Ed Tom Bell. No texto narrado já se torna explícito o tom agonizado assumido pelo filme, em que o quase aposentado xerife descreve como era o comportamento da violência em sua época de jovem, onde seu pai também foi xerife e, anteriormente, seu avô. O filme dos irmãos Coen, como um todo, pode ser encarado como uma metáfora da violência que toma corpo no mundo/sociedade contemporâneo acomodado e perseguido. Tal consideração se apresenta na compreensão de alguns símbolos que vemos nas seguintes cenas.

Um dos primeiros símbolos apresentados pela narrativa, e que toma o significado de apêndice da violência gratuita e absurda do assassino interpretado por Javier Barden, é a arma e sua utilização. O xerife afirma que em seu tempo o porte de armas de fogo era desnecessário. A violência era mais “domesticada”. Quando Moss (Josh Brolin) se depara com a possibilidade iminente da morte, ele vai até uma loja e compra uma espingarda.

Diferentemente, as armas utilizadas pelo matador aparecem em cena sem explicação aparente ou narrativa. Não se sabe como a escopeta com o silenciador chega até suas mãos, muito menos a carabina de ar comprimido. Chigurh mata pessoas assim como pessoas matam vacas, com um tiro de ar comprimido na cabeça, outra representação simbólica da banalidade assumida pela vida diante da brutalidade da violência que ataca a sociedade.

A caracterização do personagem do espanhol Barden é fundamental para o entendimento do filme. Suas vestimentas não são compatíveis com a época, muito menos com o local. Seu corte de cabelo é bizarro e diferente. Seu sotaque não é o local, muito menos seu vocabulário. Suas ações têm como parâmetro guias comportamentais atemporais que seguem princípios por nós não compreendidos. Ficamos assustados com a negligência que o personagem trata o momento da morte.

Ao se deparar com suas vítimas, Chigurh define seus destinos na sorte, na moeda, no cara-ou-coroa. Símbolo da dualidade e da sorte, a moeda no filme assume um caráter decisivo, em que a vítima tem, ou não, sua vida tirada. Em um dos diálogos do filme, Chigurh discute com o dono de um posto de combustível em uma estrada a maior “quantia” já colocada por ele em um jogo de azar. A vida é decidida na sorte, ao acaso. Estamos expostos à violência de maneira aleatória.

Uma das imagens das mais marcantes do filme se dá no plano geral em que o encontro do céu e da terra se posiciona na metade horizontal da projeção. Distante, vemos o assassino caminhando e carregando sua arma. Simbolicamente, entre o céu e a terra, o que domina é a violência, o assassinato e a brutalidade.

Brutalidade essa explicada com a nitidez e visceralidade das cenas de assassinato. O enforcamento do policial que prende Chigurh é assustador e silencioso. Já ali, vê-se a determinação do personagem enquanto agente da violência. O realismo estético conseguido choca e assusta o expectador.

Em uma frase emblemática, o xerife Bell diz: “You can’t stop what’s coming”. O que está chegando, referência ao assassino, não pode ser parado, já não há mais lugar para os que acreditam em justiça ou segurança. Ou se conforma com o destino e se coloca ao acaso; ou foge, como tenta Moss.

Desde sua primeira aparição, o policial encarna a expressão do título. Ao entender que não existe mais lugar para velhos (título original) e fracos o que resta é esperar o futuro, o destino. O que explica o personagem sempre olhar o horizonte em suas cenas. Tommy Lee Jones atua encarando o horizonte, pensativo, reflexivo, em todas as cenas do filme. Mesmo dentro de uma sala, ele sempre observa o nada.

A representação do bem e do mal, curiosamente, se dá explicitamente quando o Anton Chigurh encontra a esposa de Moss, Carla Jean. Ao descobrir a morte do marido e da mãe, Carla espera sua vez. Tem certeza que o matador irá procurá-la. Muito mais pelo incomodo causado por seu marido e muito menos por sua importância na trama.

Mas Carla Jean não se curva à violência, não se entrega à arbitrariedade da lógica proposta pelo assassino. Ao se deparar com o duelo da moeda, a personagem afirma que matar é sempre uma escolha, nunca sorte. Ao invés de lutar e se defender, ela se entrega. À morte sim, ao acaso nunca. Justifica, portanto, ao não aceitar a sorte como definidora, que seu assassinato será fruto da escolha direta de Chigurh.

A obra dos irmãos Joel e Ethan Coen discute, com a devida apropriação técnica da composição dos quadros e objetos cênicos, a questão da violência que assoma a sociedade contemporânea e aí se faz estarrecedora. Talvez, o símbolo máximo da obra audiovisual seja o enquadramento em que um filete de sangue tem seu percurso no chão, na terra.

                        

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