Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 20/03/2007.
Maior barato como um filme bem feito, bem escrito, bem atuado e bem dirigido pode transformar um obscuro ator de comédias em um dos nomes mais festejados pela crítica especializada e também por boa parte do público. Não só isso: provavelmente nem mesmo Zach Braff, protagonista do hilário seriado Scrubs, imaginava que sua estréia na direção de longas, o excepcional Hora de Voltar, o convertesse automaticamente em porta-voz dos sentimentos escondidos daquela geração de jovens de 20 e tantos anos que começam a embarcar na vida adulta com milhões de medos e angústias. Sim, Hora de Voltar é um filmão que fica na cabeça e prova que aquela cara de bobo-estranho-no-ninho de Braff esconde um diretor-roteirista de mão cheia, capaz de lidar com a tridimensionalidade de seus personagens de um forma que muito veterano por aí jamais conseguiu.
Tendo isto como base, é natural que a expectativa dos fãs de Zach Braff seja elevada ao espaço a cada anúncio de um novo trabalho seu, seja como diretor, seja como ator – e ainda mais quando sabemos que seu próximo filme traz um climão que assemelha-se, e muito, com o estilinho que o sujeito delineou em sua fita de estréia. E então chega Um Beijo a Mais (The Last Kiss, 2006), com uma senhora cara de filme indie e carregando elogios rasgados nas costas. Devo dizer que, quando soube do filme, a primeira coisa que fiz foi saber se Natalie Portman estava no elenco – e a segunda foi procurar a tracklist da trilha sonora pra ver se tinha alguma faixa do Coldplay ou dos caras do The Shins. Afinal, filme do Zach Braff tem que ter trilha sonora indie por obrigação! Hehehe. Faixa do Coldplay até tem, mas o Shins foi trocado pelo Snow Patrol, com a bacana Chocolate, que abre o filme (um troca justa, aliás).
Voltando, este que vos escreve esperou Um Beijo a Mais com tanto amor e carinho no coração (sim, eu tenho um) e com tanta empolgação pela presença de Braff no elenco e de Paul Haggis (Menina de Ouro, Crash – No Limite, 007 Cassino Royale) no roteiro que até passou batido o fato de estarmos falando, afinal, de… um remake.
AAGH! Mais um remake!
Pois é, uma refilmagem. Mais uma. E de um filme bacana que não merecia de forma alguma ser assassinado pelos gananciosos executivos de estúdios norte-americanos – no caso, o ótimo italiano O Último Beijo, dirigido em 2001 por Gabriele Muccino, o mesmo que recentemente debutou no circuito comercial gringo com o bonitinho À Procura da Felicidade.
A boa notícia é que Um Beijo a Mais é tão bom quanto aparenta e não é desnecessário como geralmente boa parte dos remakes é. Fala de um tema bacana, tem uma narrativa bem conduzida e os vários personagens secundários são bem interessantes. Com conhecimento de causa, visto que já cansei de assistir ao longa original, posso dizer sem maiores grilos que esta fita aqui quase nivela com seu antecessor em termos de qualidade numa boa. O único porém, que na verdade não chega a ser exatamente um problema, é que aqueles que esperavam um trabalho tão bom quanto Hora de Voltar sairão meio decepcionados. Um Beijo a Mais é uma produção bacana mesmo, mas está longe de ficar gravada na memória. Definitivamente não estamos falando de um Hora de Voltar – Parte 2, não ao menos neste sentido.
No que diz respeito à história, entretanto, o plot de Um Beijo a Mais encaixaria-se perfeitamente em uma suposta seqüência dos eventos de Hora de Voltar. Senão, olha só: o arquiteto Michael (Braff) comenta em off, logo nas primeiras cenas, que sua vida aos 29 anos é exatamente aquilo que imaginava que seria. Afinal, o indivíduo tem um bom emprego, amigos fiéis e namora há três anos com a garota que ama, a bela Jenna (Jacinda Barrett, Poseidon). Para a coisa ficar ainda melhor, Jenna não quer saber de casamento e só quer ter seu cantinho para viver ao lado do namorado. Um emprego bom e Jacinda Barrett na sua cama sem compromisso? Uau, esse cara é Deus e não sabe.
Só que nem tudo são flores na vida de Michael. Quando descobre que Jenna está grávida, o sujeito se vê no meio de uma bela crise. O que acontece é que a paternidade chega para confirmar que a juventude de Michael finalmente acabou. Nada mais de farra, nada mais de escapadinhas sem vínculos. A partir de agora, ele é um adulto de verdade, um quase marido e um pai com a enorme responsabilidade de carregar e administrar uma família. E isto o deixa aterrorizado, embora tenha consciência do amor que sente por Jenna. Como o próprio diz em diversos momentos da projeção, parece que sua vida está tão perfeita que não haverá mais surpresas.
Durante uma festa de casamento, Michael conhece a maluquinha flautista Kim (Rachel Bilson, do seriado The O.C.). Rola um clima. Enxergando seu relacionamento com Jenna consolidar-se mais e mais a cada dia que passa e sendo literalmente perseguido por Kim, Michael fica indeciso entre entregar-se de vez à sua vida adulta e dar uma bela pulada de cerca com a garota, nem que seja somente para dar adeus à sua imaturidade.
O plot central de Um Beijo a Mais já prende o espectador por si só – cortesia, claro, do enredo bem desenvolvido por Paul Haggis -, mas o bacana é que os personagens secundários complementam a história de Michael com subtramas tão interessantes quanto. Então, temos Izzy (Michael Weston, o policial pirado de Hora de Voltar), que sofre por ter sido abandonado pela mulher de sua vida; Kenny (Eric Christian Olsen, de Celular – Um Grito de Socorro), que só quer saber de transar e arrepia-se só de ouvir a palavra “compromisso”; e Chris (Casey Affleck), que viu seu casamento virar um inferno depois do nascimento do primeiro filho e a conseqüente inexperiência em criá-lo. A cereja do bolo é a rotina dos pais de Jenna, Anna (Blythe Danner) e Stephen (Tom Wilkinson): irritada com a indiferença do marido, ela decide abandoná-lo depois de um casamento de 30 anos só para se arrepender em seguida.
Claro que há muita coisa pra rolar com esse povo todo aí. De qualquer forma, não há como detalhar ainda mais a produção sem entregar algo que não devo. O que dá pra dizer sem problemas é que o cuidadoso roteiro de Haggis oferece espaço para o desenvolvimento de todos os personagens, sem exceção; particularmente, curti bastante a história do personagem defendido por Casey Affleck. Sua trama é a mais interessante de todas, e a única que não escorrega no clichê em momento algum – fato que infelizmente afeta, mesmo que de leve, todas as outras histórias, principalmente a de Michael e Jenna, justo a principal.
Este, por sinal, é o grande problema de Um Beijo a Mais, e corresponde à sua meia-hora final. A conclusão é batida, sim. E na boa, não precisa ser nenhum Einstein pra adivinhar o que vai acontecer só de ler a sinopse. Mas o que poderia ser resolvido em pouco tempo, prolonga-se mais do que deveria, e tudo o que acontece a partir da seqüência do velório (não, não me peça mais detalhes, assista!) até o fim da projeção, soa demasiadamente arrastado e cansativo. Dez minutos de enrolação a menos não fariam mal a ninguém.
Nada que chegue, porém, a estragar Um Beijo a Mais ou torná-lo um engodo. Como comédia romântica, é um prato cheio – embora seja mais romance do que comédia e tenha uma gigantesca tendência a deixar qualquer casalzinho apaixonado totalmente deprimido e a ponto de se separar depois da sessão (!). Como um aperitivo para os fãs que Zach Braff conquistou com seu Hora de Voltar, está mais do que ótimo, ainda que não chegue aos dedos do pé do primeiro. Como discussão a respeito desta transição da fase adolescente para a definitiva fase adulta, tem poder de fogo para deixar a galera pensando na vida e no futuro por alguns dias. E para os onanistas de plantão, não tem uma Natalie Portman mas tem uma Jacinda Barrett e uma Rachel Bilson! Hehehe.
Zach Braff, a gente espera seu próximo filme com carinho, tá?
CURIOSIDADES:
• Mesmo assinando o comando de vários episódios de várias séries populares, como The L Word, Without a Trace, Law & Order e o espetacular Dexter, o diretor de Um Beijo a Mais, Tony Goldwyn, é mais conhecido dos cinéfilos como ator. Seu papel mais conhecido do grande público é o vilão Carl Bruner, o melhor amigo de Patrick Swayze em Ghost – Do Outro Lado da Vida (lembra dele?).
• O papel de Jacinda Barrett seria originalmente vivido por Rachel McAdams, que não pôde assinar contrato por problemas de agenda. Pena; o filme só ficaria ainda mais agradável…
• Embora o roteiro seja creditado a Paul Haggis, Zach Braff já declarou a diversos veículos de imprensa que muitas seqüências do filme são de sua autoria, inclusive o final. Braff também é o responsável pela escolha das canções usadas na película.
• Na cena ambientada no quarto de Kim na universidade, é possível ver em uma parede um pôster da banda The Shins. O grupo, da qual Zach Braff é fã declarado (e o Zarko aqui também!), marcou presença na trilha sonora de Hora de Voltar com a bela New Slang.
THE LAST KISS • EUA • 2006
Direção de Tony Goldwyn • Roteiro de Paul Haggis
Baseado no roteiro do longa-metragem “O Último Beijo” (L’Ultimo Bacio), escrito e dirigido por Gabriele Muccino
Elenco: Zach Braff, Jacinda Barrett, Rachel Bilson, Casey Affleck, Blythe Danner, Tom Wilkinson, Eric Christian Olsen, Michael Weston, Marley Shelton, Harold Ramis.
115 min. • Distribuição: Imagem Filmes.
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