Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 09/02/2006.
Não é exagero dizer que todo mundo achou estranho quando o nome da graciosa Keira Knightley apareceu firme e forte entre as indicadas ao prêmio de Melhor Atriz nesta última edição do Oscar. Afinal, ninguém poderia imaginar que os dotes interpretativos da atriz eram tão fortes assim… Bem, eu não achei nem um pouco estranho: sempre defendi o talento desta notória inglesinha, e não falo dos atributos físicos da moça, embora considere-a um ser bem interessante – até mesmo porque Knightley tem tantas curvas quanto a tábua de passar roupa lá de casa (!). Sim, Keira Knightley é um xuxuzinho. Mas isto é um mero detalhe.
Demonstrações gratuitas de chauvinismo à parte, demorou mesmo para que Hollywood decidisse explorar o trabalho de Keira Knightley, mais conhecida como “bata Natalie Portman e Winona Ryder no liquidificador e veja o resultado”, como protagonista. A atriz já mostrou faz tempo que transita sem problemas entre produções de ação (ei, ela está bacana na cinessérie Piratas do Caribe!) e dramas leves (sua atuação em Driblando o Destino e Simplesmente Amor é muito bonitinha). E vamos concordar: se aquela bomba de Hiroshima chamada Domino – A Caçadora de Recompensas vale alguma coisa, é só por causa de sua dedicada atuação como a malucona Domino Harvey.
O que nos leva a Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005), drama clássico dirigido pelo semi-desconhecido Joe Wright (cuja experiência no ramo resume-se a alguns telefilmes). Sim, o tal longa-metragem que jogou Knightley entre as indicadas, que por acaso é a dita versão definitiva para o cinema de um dos maiores clássicos da literatura britânica, o romance de mesmo nome escrito por Jane Austen (autora também de Emma e Razão e Sensibilidade, ambos já adaptados para as telonas). E antes de qualquer coisa, vou direto ao que você quer saber: sim, sem Keira Knightley no papel, o longa perderia MUITO de sua graça.
Knightley vive Elizabeth Bennett, uma das cinco filhas do casal vivido por Brenda Blethyn (hilariante, diga-se de passagem) e Donald Sutherland (com a competência de sempre). Família de poucas posses lá pelos idos da Inglaterra do final do século 18, numa época em que as mulheres não tinham escolha alguma para seu futuro, os Bennett criaram sua prole com o único intuito de casar-se e constituir uma família, já que as meninas não terão direito algum aos bens do pai após sua morte. Além do velho pai, Elizabeth parece ser a única pessoa realmente ponderada e segura de si dentro da casa, contrastando violentamente com a hiper-ultra-mega timidez da irmã mais velha, Jane (Rosamund Pike, a bond-girl do mal de 007 Um Novo Dia para Morrer), a libertinagem quase inocente da mais nova, Lydia (Jena Malone, especializando-se em papéis-bagaceira), e o desespero supremo da mãe, que quer e precisa arrumar marido para todas o mais rápido possível. Só há um pequeno probleminha: Elizabeth é categórica quando diz que não pretende se casar a não ser por amor.
A matriarca enxerga uma luz no fim do túnel quando a cidade recebe um novo habitante, o ilustre e rico Sr. Bingley (Simon Woods). O rapaz apaixona-se de imediato por Jane. Até aí, tudo belezinha. O inferno instaura-se na vida de Elizabeth quando ela inicia uma relação de ódio (e ódio, e ódio, e muuuito ódio) com o melhor amigo de Bingley, o introvertido aristocrata Sr. Darcy (Matthew MacFadyen), de passagem pela cidade. Darcy é sério, calado, não quer se misturar à plebe. O preconceito puro em pessoa. Elizabeth é humilde, geniosa, arredia. É o orgulho. E alguém aí duvida que estes dois sentimentos se chocarão violentamente… e mais tarde entrarão num acordo? Hummm… claro, claro.
Então… é isso aí. Aparentemente, Orgulho e Preconceito é mais um como tantos filmes de época perdidos por aí, com diálogos datados, adrenalina zero e uma pá de cenários belos. Quem pensou assim, enganou-se. Pra começar, uma das maiores características da obra de Jane Austen é utilizar temas a princípio superficiais para destilar seu ódio com relação às classes sociais. Para Austen, não há diferença alguma entre ricos e pobres, e esta característica, apresentada em sua obra como metáfora, é captada numa boa pelo divertidíssimo (sim, divertido!) roteiro de Deborah Moggach: à medida que Elizabeth e Darcy engalfinham-se sutilmente, barreiras são quebradas, personagens são desconstruídos, os ricos são humanizados e todos, aristocratas e plebeus, igualam-se aos poucos.
A coisa não pára por aí. A direção segura de Joe Wright foge dos clichês dos filmes do gênero e injeta uma agilidade surpreendente nos diálogos, principalmente quando Elizabeth, Darcy e a insuportável Sra. Bennett de Brenda Blethyn estão em cena. Não são diálogos chatos, arrastados. E não, você não precisará levar um dicionário ao cinema para poder entendê-los (!). É clássico sim, mas não aborrecedor por conta disto. E se o script é leve e bastante divertido, a direção encontra o tom certo na fria reconstituição da época, na fotografia densa e muitas vezes obscura, e em ótimas sacadas – numa das seqüências mais legais do filme, quando Elizabeth dança com Darcy no baile da casa de Bingley e ambos começam a discutir, as pessoas em volta simplesmente somem. Ei, não podemos esquecer que Orgulho e Preconceito é um drama, não é?
Mas… e sobre Keira Knightley? Ela realmente é digna de figurar entre os indicados? Bem, mais ou menos. A atuação da garota não é tãããããão extraordinária assim a ponto de levar milhões de prêmios pra casa, verdade seja dita. Por outro lado, mesmo com muitos acertos, é inegável que Knightley é SIM a verdadeira alma e coração de Orgulho e Preconceito. Sem ela no papel central, a película perderia muito de seu charme. Mas se fosse assim, o correto seria também indicar Matthew MacFadyen, visto que a frieza de Darcy equilibra a vivacidade de Elizabeth. E o ponto alto da fita é exatamente o embate entre os dois. Enfim, o trabalho da atriz é ótimo, mas ainda acho que ela pode muito mais que isso.
O saldo final é bem acima da média. Com um trabalho técnico ultra-competente e atuações dedicadas de todo o elenco (incluindo aí até a minúscula pontinha da sempre agradável Judi Dench, como a entojada lady Catherine, tia de Darcy), Orgulho e Preconceito é um trabalho bonito, gostoso de assistir, com uma mensagem bonitinha e que tem tudo para agradar tanto o público que curte dramas de época quanto a parcela da platéia mais, na falta de uma palavra melhor, agitada. Perfeito para levar a(o) namorada(o) e curtir uma sessãozinha romântica a dois. E a Keira Knightley continua “reta”, mas ela é um pitéu assim mesmo. E se você não gosta, pode deixá-la pra mim, que eu agradeço.
CURIOSIDADES:
• Se somarmos os longas para a TV, seriados, versões livres e filmes para o cinema, Orgulho e Preconceito é a 11.ª adaptação do romance de Jane Austen. O livro já ganhou uma versão adolescente em 1995, uma minissérie inglesa no mesmo ano e até uma novela espanhola na década de 60 (!). A mais recente adaptação é a versão indiana Noiva e Preconceito, rodada em Bollywood por Gurinder Chadha (de Driblando o Destino) e que atualiza o contexto da obra para os dias atuais. Achou estranho? Bem, trata-se de um musical (?!?) estrelado por ninguém menos que o tosco Martin Henderson (o ex-marido de Naomi Watts no primeiro O Chamado). E a crítica adorou.
• Poucos sabem, mas o divertido O Diário de Bridget Jones é levemente inspirado no plot central de Orgulho e Preconceito; há em Bridget Jones, aliás, uma série de referências à história do livro, tais como o nome e o comportamento instável do mocinho, Mark Darcy (vivido por Colin Firth, também intérprete do Mr. Darcy da minissérie inglesa de 1995).
• O roteiro de Orgulho e Preconceito foi revisado por ninguém menos que Emma Thompson, responsável também pela versão cinematográfica de Razão e Sensibilidade, outro notório romance de Jane Austen. Thompson não é creditada como roteirista aqui, mas seu nome consta nos agradecimentos especiais dos créditos finais.
• Keira Knightley não era a escolha inicial do diretor Joe Wright para viver a personagem central de Orgulho e Preconceito. Segundo declarou em entrevistas, Wright considerava a atriz “atraente demais”. Sua opinião mudou após conhecê-la pessoalmente. Depois disse, Wright disse que seu jeitão de “menina levada” (humm…) era perfeito para o papel.
• No início do longa, Elizabeth Bennett lê um livro chamado First Impressions (traduzindo literalmente, Primeiras Impressões). Este era o título de trabalho de Orgulho e Preconceito, o romance. A ação do longa se passa no mesmo ano em que o livro foi escrito, 1797.
• Durante as filmagens de Orgulho e Preconceito, Keira Knightley foi obrigada a mudar seu visual para iniciar em paralelo a produção de Domino – A Caçadora de Recompensas. Para rodar suas últimas cenas como Elizabeth Bennett, Knightley precisou usar perucas e vestidos longos para esconder seus cabelos curtos e os músculos adquiridos no preparo físico de Domino.
PRIDE AND PREJUDICE • ING/FRA • 2005
Direção de Joe Wright • Roteiro de Deborah Moggach
Baseado no romance “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen
Elenco: Keira Knightley, Matthew MacFadyen, Donald Sutherland, Brenda Blethyn, Rosamund Pike, Jena Malone, Carey Mulligan, Simon Woods, Kelly Reilly e Judi Dench.
127 min. • Distribuição: Paramount Pictures.
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