Monday, September 21, 2009

O Ilusionista

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 02/12/2006.

À primeira vista, pode-se dizer sem maiores grilos que o drama independente O Ilusionista (The Illusionist, 2006) é uma espécie de “primo pobre” do magnífico O Grande Truque, visto que os dois longas são ambientados em um passado distante, trazem protagonistas que não hesitam em trapacear para conseguir o que quer… e falam, basicamente, de mágica. Para piorar, as duas fitas chegaram aos cinemas do mundo todo quase simultaneamente, em mais uma daquelas boas e velhas “coincidências” que assolam Hollywood, aquela mania de produzir ao mesmo tempo uma infinidade de longas-metragens que trabalham a mesma temática – bem, todos aí lembram de casos como Formiguinhaz vs. Vida de Inseto e, mais recentemente, Madagascar vs. Selvagem (ugh), não lembram?

Na verdade, é até impossível conseguir assistir a O Ilusionista e O Grande Truque sem tecer qualquer comparação, é fato. Entretanto, devo dizer que comparar estas duas produções é tão ilógico e raso quanto comparar O Senhor dos Anéis e Harry Potter (algo que, diga-se de passagem, muita gente faz). A única grande semelhança entre o ótimo thriller de Christopher Nolan e este belo drama romântico dirigido por Neil Burger – diretor do bacana mas pouco visto Interview With The Assassin, calcado na morte de John Kennedy – é que, no fundo, beeeem lá no fundo, ambos usam suas temáticas de natureza fantástica para mostrar o quão grande é a capacidade do ser humano em ignorar os pequenos detalhes, em não olhar com atenção e, com isto, deixar passar o que realmente é importante.

Quanto ao resto… bem, esqueça O Grande Truque. O Ilusionista definitivamente NÃO É sobre mágica, truques e trapaças, como aparenta em uma análise mais superficial. É sobre um amor proibido, as coisas que pessoas apaixonadas são capazes de fazer por amor e as conseqüências (trágicas ou não) destes atos. Como você pode ver, o foco é totalmente outro – o que não muda em nada o fato de que O Ilusionista é tão chocante e tão surpreendente quanto o filme estrelado por Hugh Jackman e Christian Bale. Uia! Ultimamente só andam me despachando para ver coisa boa, o que está acontecendo com este website?

Bem, vamos explicar “o quê que se assucede”, como diria o infame Didi Mocó: o protagonista da história de O Ilusionista é Eisenheim (Edward Norton, excelente como sempre), um popular performer que chega a Viena, em 1900, trazendo debaixo do braço um show de ilusionismo que conquista rapidamente a população. Eisenheim não é um estranho no lugar: filho de um marceneiro, o jovem nasceu e cresceu nos arredores da cidade. Também foi nas proximidades de Viena que, em plena adolescência, travou um bizarro contato com um mágico andarilho e descobriu que também tinha o dom da paranormalidade; dom este que usou para conquistar, ainda na juventude, o grande amor de sua vida, a jovem Duquesa Sophie. O amor dos dois jovens foi brutalmente interrompido pela família da moça, que jamais permitiria que ela se envolvesse com uma “criatura da plebe”. Sem saída, Eisenheim enfiou uma mochilinha nas costas e sumiu do mapa.

Poderes aperfeiçoados e prestígio conquistado, Eisenheim chega a Viena e apresenta uma série de números tão estranhos que ninguém sabe dizer se são mesmo mágicas ou se o elemento não passa de um charlatão. De qualquer forma, suas mágicas enchem os olhos da platéia, que lota as sessões de seu espetáculo. Não tarda para que um dos sujeitinhos mais poderosos da cidade, o Príncipe Leopold (Rufus Sewell, menos irritante como de costume), se interesse em assistir ao show. Aí é que começa o martírio de Eisenheim: na tal apresentação assistida pelo Príncipe, o mágico reconhece Sophie (Jessica Biel, cada vez mais linda) na platéia. Ao avistá-la, percebe que seus sentimentos com relação à moçoila só fizeram crescer. Mas se agora não há mais a ameaça do clã de Sophie, e sim a amaeaça de Leopold, que é nada menos que o noivo dela – embora o Príncipe não esteja tão preocupado em esconder que só quer se casar com a garota para herdar o trono. Safadão!

Intrigado com os números do ilusionista e sentindo-se ameaçado pela crescente popularidade do meliante, o Príncipe Leopold convoca o cético Inspetor Uhl (Paul Giamatti), que quer ser Chefe de Polícia, para descobrir e desmascarar qualquer espécie de fraude no espetáculo comandado por Eisenheim. O que ninguém sabe é que o mágico e Sophie, dominados pela paixão, voltaram a se encontrar. E Eisenheim, convencido a ter a garota de volta para si definitivamente, não se intimidará em usar seus dotes para derrotar Leopold…

Como pode-se ver, a temática de O Ilusionista está longe de O Grande Truque, principalmente no aspecto “movimentado” da coisa: este aqui é bem mais parado e bem mais intimista do que o longa de Nolan. A trama construída por Neil Burger passa um bom tempo da projeção apresentando seus personagens, construindo seus passados, deixando o espectador acostumar-se com cada um deles, para então começar a entregar as peças do jogo. Até mesmo o desenrolar da trama e sua conclusão são simples. Sim, há uma reviravolta, há um (bacanésimo) final que deixa o público com aquela máxima “Por que raios não pensei nisso antes” ao sair da sessão. Mas é tudo entregue tão calmamente e tão despretensiosamente que dá a impressão de que O Ilusionista não é páreo para uma produção tão rica em detalhes e tão sofisticada quanto O Grande Truque.

Mera impressão, tá? O Ilusionista é uma película inteligente e bem construída, que prende a atenção com facilidade. De quebra, traz (mais) uma grande interpretação de Edward Norton, completamente à vontade no papel de Eisenheim. Sua química com Jessica Biel, a protagonista de O Massacre da Serra Elétrica, é bastante convincente, por sinal. A parte técnica do filme também é de babar, com destaque para a reconstituição da época, a belíssima fotografia de Dick Pope (de O Segredo de Vera Drake) e a trilha sonora composta pelo renomado instrumentista Philip Glass (de As Horas), todos inspirados não no início do século, mas no cinema do início do século – a seqüência de créditos de abertura, com caracteres típicos da época, é simplesmente linda.

Para mim, o grande ponto positivo de O Ilusionista é a magistral atuação de Paul Giamatti. O ator, que esteve recentemente nas telonas com A Dama na Água, parece não fazer qualquer esforço no papel do Inspetor Uhl. Sua interpretação é tão natural que basta apenas um olhar e uma leve gagueira em algumas falas para entender seu ponto de vista; afinal, o Inspetor Uhl serve ao vilão da história, mas sabemos que ao melhor estilo Inspetor Gerard (aquele de O Fugitivo, lembra?) sua única intenção é ser justo, dentro da medida do possível – seu personagem não é mau, mas sabe que é forçado a praticar algumas “maldades” se quiser manter seu cargo inteiro. Repare, por exemplo, na cena em que confronta Leopold. Desde já, uma atuação digna de algumas indicações a prêmios. E já está mesmo na hora de Giamatti enfeitar sua estante, pelo amor de Deus!

Tá, mas… afinal, qual dos dois filmes é melhor, caceta? Pois é, não adianta, é uma pergunta que não sai da cabeça. Bem, digamos que um pode ser considerado a contraparte do outro. Não dá pra dizer qual dos dois, O Ilusionista ou O Grande Truque, é melhor. O que dá pra dizer é que ambos são excelentes exercícios de direção, trazem excelentes trabalhos de atuação, contam histórias ultra-interessantes e resultam em filmaços obrigatórios na prateleira de qualquer aficcionado por cinema. Mas leve em consideração que O Ilusionista não é um filme que pretende surpreender o espectador, e sim uma fita mais interessada em contar uma história de amor, ainda que se esconda por trás da fachada de “suspense sobre mágica”. Seja qual for seu interesse, a mágica ou o romance, você não vai se decepcionar. É só não esquecer que o esquema todo está nos detalhes – o esquema é olhar com atenção.

CURIOSIDADES:

• Embora a história de O Ilusionista seja puramente ficcional, ela é inspirada em partes nos detalhes que cercam uma das figuras mais polêmicas da história da Áustria, o Príncipe Rudolf, filho único do Imperador Franz Josef. Os corpos do Príncipe e de sua amante, a Baronesa Mary Vetsera, foram encontrados na casa de caça da família, em 30 de Janeiro de 1889, em um evento chamado de “o Incidente Mayerling” que causou muito mistério e controvérsia por ser até hoje encoberto pelo clã imperial. A imagem que Eisenheim desenha em certo momento do filme, do busto do pai do Príncipe Leopold, é na verdade a imagem de Franz Josef.

• Em uma certa seqüência do longa, o Príncipe Leopold pergunta ao Inspetor Uhl se sua futura esposa estava fornicando com Eisenheim. A cena foi originalmente filmada com Rufus Sewell dizendo fucking ao invés de fornicating, mas para evitar complicações com a censura ianque, o diretor Neil Burger preferiu mudar o diálogo. Por questões de economia, entretanto, o diálogo não foi refilmado; apenas dublado. É possível ver Rufus Sewell pronunciando fucking com os lábios, quando o som diz fornicating…

• Edward Norton aprendeu a fazer vários truques de mágica, como preparação para o papel.

• Jessica Biel não era a primeira escolha para viver o papel da Duquesa Sophie. Ela foi escalada às pressas depois que a atriz contratada para o papel, cuja identidade não foi divulgada, simplesmente abandonou o projeto faltando apenas alguns dias para o início das filmagens.

THE ILLUSIONIST • EUA/CZE • 2006

Direção de Neil Burger • Roteiro de Neil Burger

Baseado no conto “Eisenheim the Illusionist”, de Stefen Millhauser

Elenco: Edward Norton, Paul Giamatti, Jessica Biel, Rufus Sewell, Eddie Marsan, Karl Johnson, Jake Wood, Aaron Johnson.

110 min. • Distribuição: Focus Filmes.

No comments:

Post a Comment