Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 07/02/2007.
Quando surgiu a primeira notícia sobre a produção de Rocky Balboa (Rocky Balboa, 2006), sexto filme da série que consagrou um certo Sylvester Stallone, muita gente questionou a necessidade de mais um capítulo para a franquia que começou muito bem em 1976 – conquistando, inclusive, três surpreendentes prêmios da Academia e mais sete indicações, duas delas para o próprio Stallone (como melhor ator! E melhor roteiro!) – e depois foi só declínio, culminando naquela coisa bisonha que é o quinto longa, de 1990, dezesseis anos atrás. Por outro lado, alguns até vibraram com a notícia: sinceramente, não sou muito fã da saga toda. Gosto pra dedéu do primeiro filme, e curti todos os outros, ainda que não os considere tão fascinantes quanto a fita de 76. Mas confesso que fiquei ansioso, sim, com a chegada de Rocky Balboa. E cá entre nós, Stallone é um cara legal que fez uma cacetada de coisa ruim e andava muito em baixa. Ele merecia esta chance.
Chance muito bem aproveitada, por sinal. Rocky Balboa pode ser resumido tranqüilamente como a produção mais impressionante do ano (até o momento, claro), no sentido de que nadou contra a corrente e não só deu um tapão com luva de pelica na cara daqueles que subestimaram sua “insistência” como também mostrou que Stallone esconde uma faceta bem talentosa por trás daquele rostinho meio amassado (!) e do currículo com uma predominância de filmes ruins. Não impressiona por ser fantástico (embora quase chegue lá), mas impressiona por seu ótimo resultado final quando esperávamos tão pouco.
Parece exagero? Não, não é, de verdade. Rocky Balboa é um trabalho simples, beeeem simples, rodado com o mínimo de extravagâncias visuais e com cenários, fotografia e atuações extremamente enxutos. É tudo muito econômico, nota-se no ato. Esta mesma economia parece marcar presença no roteiro (escrito, por sinal, pelo próprio Stallone, que também assume a direção). À medida que a produção se desenrola, entretanto, percebe-se como há muito mais nas entrelinhas do que aparenta inicialmente. Rocky Balboa existe não para tentar reviver a gloriosa carreira de Stallone; Rocky Balboa existe por uma causa maior. Ao contrário de todas as seqüências do genial Rocky, um Lutador, aqui o sujeito volta porque tem algo a provar, não aos outros, mas a si mesmo.
Primeiro, não estamos falando de um mero caça-níqueis; o roteiro de Stallone é, na verdade, um belo de um melancólico desabafo sobre a fatídica crise de meia-idade e sua própria carreira, tão cheia de altos e baixos. Senão, veja só: Rocky Balboa ainda sente os efeitos dos acontecimentos do filme anterior, o controverso Rocky V. Mora em uma casa simples na Filadélfia e é dono de um restaurante razoavelmente movimentado. Mas Rocky não é exatamente feliz. Ok, muito tempo passou e ele ainda não caiu no ostracismo, sendo constantemente lembrado por muitos como um dos melhores lutadores que já existiram – não à toa, volta e meia precisa parar para tirar fotos com fãs e para contar histórias de seus confrontos com Apollo Creed, Ivan Drago e outros.
O que mata Rocky é mesmo a saudade de seu grande amor, a falecida Adrian, e também a distância de seu filho Rocky Jr. (Milo Ventimiglia), funcionário de uma mega-corporação que não tem tempo algum para o pai. Sozinho, só lhe resta a companhia ocasional de seu antigo treinador, Paulie (Burt Young, ótimo), as visitas silenciosas ao túmulo de Adrian e as nostálgicas lembranças de seu passado. A solidão de Rocky é tanta que ele não pensa duas vezes em se apegar à amargurada balconista de bar Marie (Geraldine Hughes) e seu filho adolescente Steps (James Francis Kelly III), enquanto tenta, sem sucesso, reaproximar-se de Rocky Jr. Para o ex-pugilista, aparentemente não há mais nada pelo qual lutar.
Em paralelo, conhecemos Mason Dixon (Antonio Tarver), jovem pugilista que já fez muito sucesso, mas ultimamente só tem conquistado o desprezo de seus fãs. Tudo isto, porque aparentemente não há um lutador de boxe à altura do sujeito; não há um confronto sequer em que o adversário não beije a lona em pouquíssimo tempo. Com isto, Dixon caiu no “mais do mesmo” e suas lutas tornaram-se previsíveis.
As histórias se cruzam quando um programa de TV divulga uma reportagem sobre um computador que calculou as probabilidades do resultado final de uma luta virtual entre Mason Dixon e o tido maior pugilista de todos os tempos, Rocky Balboa. O último, mesmo sendo um “velhaco”, ganha fácil. Rocky empolga-se, vê a oportunidade ideal para lavar sua alma e decide reaver sua “licença para lutar”, de modo que possa extravasar a tensão e encontrar um pouco de distração em pequenos torneios sem compromisso. Já os assessores de Dixon, mais do que rapidamente, prevêem que uma luta real entre o novato e o veterano é tudo o que Dixon precisa para ressuscitar sua carreira. Obviamente, os dois se enfrentarão naquela que será a última grande luta de Rocky Balboa.
E eis a primeiríssima sacada do esperto roteiro de Stallone: é de se espantar como Rocky Balboa tem uma enorme tendência a cair nos clichês básicos de filmes-de-fracassados-que-dão-a-volta-por-cima, e como consegue não cair em nenhum destes clichês. Analisando o enredo, é de se imaginar que Rocky está no limbo, que o filho o odeia, que todo mundo duvida de sua capacidade, que a luta final será extremamente dramática… nada, nada disso: temos um protagonista que nunca deixou de ser idolatrado pelos fãs, mesmo curtindo uma aposentadoria; temos um filho que, mesmo apaixonadíssimo pelo pai, saiu das asas da família e, com o distanciamento, não aprendeu a administrar a (falta de) convivência; temos um adversário que não é exatamente um vilão e até respeita seu lendário oponente…
Por sinal, a construção do personagem Dixon é, a meu ver, um dos pontos altos. Bacana ver que não estamos diante de um vilão que só quer ver Rocky arregaçado e ensangüentado no ringue.
Na real, a história de Rocky Balboa é somente um pretexto para que Sylvester Stallone possa fazer exatamente aquilo que seu personagem faz: reviver a nostalgia de seus tempos áureos, exorcizar seus fantasmas pessoais e botar um derradeiro ponto final em sua trajetória. Recheado de referências aos outros filmes, que variam desde frames das lutas de Rocky contra Drago, Lang e Apollo (contando com uma emocionante aparição-relâmpago do saudoso Burgess Meredith) até a recriação da ultra-lendária seqüência do treinamento na escadaria do Museu de Arte da Filadélfia (com direito até à antológica trilha sonora composta por Bill Conti), a experiência de assistir a Rocky Balboa para quem passou a infância e a adolescência acompanhando as desventuras do herói na Sessão da Tarde é de encher os olhos de lágrimas. Ver aquilo na telona, meu caro, arrepiou.
Muito de Stallone está ali, na tela. Saber de sua paixão à história de seu personagem mais intimista e pé-no-chão ajuda a mergulhar na fita.
Mais importante, contudo, é saber o quanto há de bom contador de histórias em Stallone. Seu filme é dinâmico, enxuto, com tudo no lugar, e propicia alguns diálogos muito bem escritos e algumas seqüências muito bem pensadas, como o doloroso bate-papo entre Rocky e Paulie no frigorífico (na qual ele até chora, veja só!). Incrível como Stallone, mesmo com toda sua carreira de altos e baixos e com toda a desconfiança acerca de seus dotes enquanto ator, não precisou de muito além de um bom roteiro e um punhado de referências ao passado para despertar o interesse da platéia em um personagem importante, mas há algum tempo esquecido. Dá até pena saber que este é o capítulo final da saga de Rocky Balboa, como entrega tão bem o emocionante desfecho da produção – desfecho bem imprevisível, por sinal. Mas caramba, isso é que é fechar um ciclo com chave de ouro, viu?
Adrian ficaria orgulhosa dessa.
CURIOSIDADES:
• Rocky Balboa traz uma série de “imagens de arquivo” de todos os outros filmes da série, à exceção de Rocky V, que o próprio Sylvester Stallone admite ser uma “mancha” na cinessérie. O novo longa também teria pontas de Mr. T e Dolph Lundgren, que reprisariam seus antigos papéis (respectivamente, Clubber Lang e Ivan Drago). Mas os dois recusaram por alguma razão não esclarecida. Na cena da luta final, há uma ponta deveras engraçada de Mike Tyson.
• O papel de Milo Ventimiglia seria vivido pelo próprio filho de Stallone, Sage Stallone, que já interpretou Rocky Jr. no quinto exemplar da saga do lutador. Sage não pôde aceitar o papel, pois estava deveras atarefado com os compromissos de sua própria produtora de cinema, a Grindhouse Releasing.
• Nos créditos finais do filme, são exibidas várias cenas em que populares, entre homens, mulheres e crianças, repetem a antológica seqüência do treinamento de Rocky na escadaria, ao som da trilha sonora de Bill Conti.
• Em uma das cenas de luta, é possível ver Sylvester Stallone como ele mesmo na platéia, enquanto Sylvester Stallone como Rocky Balboa luta no ringue. Estranho, não? O rolo todo foi explicado pelo técnico de efeitos visuais Mark Driscoll em uma entrevista: as cenas da arquibancada lotada durante a luta de Rocky e Dixon foram gravadas durante um torneio na qual Stallone compareceu como espectador, para se preparar para as filmagens. A câmera, sem querer, acabou pegando o ator/diretor lá no meio, e a cena ficou na montagem final.
ROCKY BALBOA • EUA • 2006
Direção de Sylvester Stallone • Roteiro de Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Burt Young, Milo Ventimiglia, Geraldine Hughes, James Francis Kelly III, Antonio Tarver.
102 min. • Distribuição: United Artists/Metro Goldwyn Mayer.
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