Pete Postlethwaite em "A Era da Estupidez"
Passada a guerra no Iraque, chegou a vez da “onda verde” no documentarismo americano. A cada semana, surgem dois ou três novos docs alarmados seja com o desperdício de água, seja com o aquecimento global, a proliferação de plásticos, os derramamentos de petróleo, a destruição das florestas etc. E a onda se reproduz na Europa, com lentes abertas sobre África, Ásia e América Latina. Oito desses títulos estarão numa mostra especial do Festival do Rio, a Mostra Meio-ambiente.
A coisa vira megaevento hoje (segunda), numa tenda armada em downtown Nova York para a “première global” de A Era da Estupidez (The Age of Stupid). Na véspera da conferência da ONU sobre o clima, Kofi Annan e diversas celebridades vão estar presentes para sublinhar o alerta feito pelo filme de Franny Armstrong. Amanhã (terça), haverá uma exibição simultânea em mais de 700 cinemas de 40 países, inclusive o Brasil. No Rio, será no Espaço Rio Design às 21h30 e no Unibanco Arteplex às 22h. Para outras cidades, consulte o site da Moviemobz.
Se Uma Verdade Inconveniente, o filme que puxou a “onda verde”, era uma aula-sermão de Al Gore, A Era da Estupidez é uma admoestação, um dedo na cara dos homens de hoje, apontado por uma figura ficcional do ano 2055. Nesse futuro não tão distante, mesmo depois de Chelsea Clinton ter sido presidente dos EUA, a Terra seria não mais que uma ruína despovoada, como mostram as cenas de abertura. O único aparente sobrevivente (Pete Postlethwaite) é um arquivista que zela pelas obras e imagens do passado no alto de uma torre no norte da Noruega. Sua grande tela touchscreen é a própria tela do cinema, onde ele “edita” cenas documentais que mostram como nosso tempo nos terá conduzido ao suicídio coletivo.
Essa moldura de ficção científica apocalíptica soa ingênua e afinal inócua, a não ser como demonstração da hipótese de uma futura televisão inteiramente customizada (isto é, se tivermos futuro). A força do filme vem de um roteiro hábil em criar conexões surpreendentes entre vários episódios documentais. O discurso “social” de um empresário de aviação indiano, por exemplo, vai ser desconstruído pelas evidências de danos ecológicos causados pela sobrecarga de tráfico aéreo. O heroísmo de um habitante de New Orleans durante o Katryna vai se chocar com seu histórico de apoio à exploração de petróleo. O travelling pelas contradições do planeta passa por crianças que reciclam tênis americanos no Iraque, mercado negro de diesel no Máli, defensores da energia eólica na Inglaterra.
Os vilões não são apenas o petróleo, o plástico, as guerras e o capitalismo, mas também a diferença entre discursos e práticas de hoje. E mesmo o desacordo entre motivações sociais voltadas para o presente e práticas ecológicas que atentam contra o futuro. A estupidez, acusa o filme, pode ter a cara da filantropia.
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