Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 08/09/2005.
E vamos direto ao que interessa: não, A Luta Pela Esperança (Cinderella Man, 2005), novo trabalho do diretor Ron Howard (o mesmo de Uma Mente Brilhante), não é nem de longe o ótimo, lindo, maravilhoso e perfeito longa-metragem que a crítica ianque anda divulgando por aí. Bem longe disso.
Ok, tudo bem, sei que é difícil aceitar este comentário vindo de alguém como eu. Afinal, o Zarko aqui é o mesmo que já cansou de declarar que não é muito chegado nos filmes de Howard, um cineasta totalmente pau-mandado e “operário-padrão” para o gosto bizarro deste indivíduo que vos escreve; o Zarko aqui é o mesmo que declama a quem quiser ouvir que não suporta filmes-clichê e fitas pretensiosas e programadas nos mínimos detalhes para tentar arrebatar certa estatueta distribuída a cada ano em todo mês de março (e às vezes fevereiro); e o Zarko aqui é o mesmo que não suporta sequer ouvir o nome da chata da Renée Zellweger, aquela Botox ambulante que todo mundo insiste em dizer que é uma grande atriz – o que é, sinceramente, um belo exagero.
O problema é que A Luta Pela Esperança é REALMENTE tudo isto que eu disse aí em cima. E mais um pouco.
Mas vamos todos ter muita calma. Antes de me xingar de todos os nomes possíveis (e os impossíveis também), eu explico de novo: a fita, uma cinebiografia do lendário boxeador James B. Braddock – que, até onde sei, é lendário só lá fora –, fica no meio-termo entre o “legalzinho” e o “ruim”. Sim, ele é totalmente previsível, clichêzento e prepotente, e isto todo mundo já sabia só de conferir o preview. É fácil notar que cada elemento está ali para que Ron Howard tenha a oportunidade de concorrer ao Oscar no ano seguinte (o que não será difícil, visto que o atual vice-presidente da Academia é o caríssimo senhor Tom Hanks, amigo de longa data do cineasta), o que não seria problema algum se o filme fosse realmente BOM. Mas há alguns momentos bacaninhas na produção. Poucos, mas existem.
O enredo (baseado numa história real) retrata o martírio de Braddock (Russell Crowe), pugilista que tinha uma vida invejável e certo renome lá pelos idos dos anos 20, até que uma luta perdida, a chegada da Grande Depressão e um pulso fraturado mudaram radicalmente sua rotina, bem como a de sua esposa Mae (Zellweger) e de seus três filhinhos. Jim dá um vexame em uma luta e é chutado da Federação de Boxe, sendo impedido de competir profissionalmente como conseqüência. Para se ter uma idéia de como o negócio ficou brabo, Mae era forçada a completar o resto da garrafa de leite com água, para poder alimentar seus filhos. Braddock chega a mendigar para poder pagar a luz de casa, numa das raras cenas realmente marcantes da película – aliás, talvez seja de fato a única cena tocante da película.
Para alívio da família (e certo desespero de Mae, que morre de medo de perder o marido), Braddock ganha uma segunda chance na vida quando seu empresário Joe Gould (Paul Giamatti, de Sideways – Entre Umas e Outras) faz das tripas coração para trazê-lo de volta aos ringues. No auge da Depressão, o ressurgimento de Jim Braddock, apelidado de “Homem Cinderela”, serve de inspiração para toda a nação estadunidense. Óóóóóó…
Não parece ser tão mal assim, não? Pois é. Só que A Luta Pela Esperança carrega um ar americanizado demais. Não à toa, como comentei no primeiro parágrafo deste texto, a crítica norte-americana adorou a fita. Para nós, brazucas, é quase impossível tentar se identificar com a trajetória de James Braddock. O tema é bem oportuno para a situação atual da população dos EUA, carente de estímulo para acreditar num futuro melhor. Para eles, um filme sobre a trajetória de Braddock é mais do que bem-vindo – mas não para o resto do mundo. O excesso de clichês dificulta ainda mais: chega a doer na alma quando Mae diz “Jim, volte para casa”, e a trilha sonora edificante é elevada à décima potência e todos se abraçam… Ugh.
A parte legal acaba sobrando mesmo para as inspiradas e movimentadíssimas seqüências de luta – principalmente o embate final entre Braddock e o sacana Max (Craig Bierko, o astro da ficção 13.º Andar) –, embora Ron Howard mostre-se totalmente confuso sobre qual estilo seguir ao deixar os enquadramentos tradicionais das cenas “normais” de lado para se entregar a uma câmera vertiginosa em primeira pessoa. A montagem, aliás, utiliza muitos efeitos visuais roubados descaradamente de longas como Snatch – Porcos e Diamantes e até mesmo Romeu Tem Que Morrer (?). Só conferindo pra ver.
De resto, basta dizer que, à exceção do trabalho sempre competente de Russell Crowe (absurdamente comedido e sutil) e de Paddy Considine (Terra de Sonhos), como Mike, o melhor amigo do boxeador, o que salva a produção, como era de se esperar, é Paul Giamatti. Não ficarei surpreso se Giamatti, que entregou mais um show de interpretação, sair da próxima edição do Oscar com uma estatuetazinha na mão. Ao contrário de Zellweger, fraquinha e desperdiçada em um papel que não exige tanto assim – poderiam ter escalado a maravilhosa Rachel McAdams (de Penetras Bons de Bico e Vôo Noturno), assim teríamos pelo menos um colírio bastante agradável na tela…
Para resumir, A Luta Pela Esperança é um filme de norte-americanos e para norte-americanos, só existe para ganhar prêmios, é lotadíssimo de clichês baratos e sua narrativa é totalmente cansativa. Não chega nem aos pés da obra-prima do ano Menina de Ouro, cujo enredo é BASTANTE similar. Mas não é de todo ruim, sabe… Só não vale o preço do ingresso (!). Se você está tão ansioso assim, vai fundo. Caso contrário, espere pelo DVD mesmo. Mas para adiantar o serviço, alguém por favor dê logo o Oscar para o Ron Howard! Assim a criança pára de encher o saco.
CURIOSIDADES:
• A Luta Pela Esperança seria originalmente dirigido pelo sueco Lasse Hallström, elogiadíssimo pela crítica em 1985 com o superestimado Minha Vida de Cachorro e, mais tarde, convertido em mais um laranja da Miramax queridinho da Academia cujos trabalhos como Chocolate, Regras da Vida e Chegadas e Partidas surgiram com o único intuito de tentar arrancar alguns Oscars da cerimônia. Bem, pra mim, substituir Lasse Hallström por Ron Howard foi como trocar seis por meia-dúzia.
• O pior é saber o primeiro nome cogitado para interpretar Jim Braddock: Ben Affleck. Vixe, um filme do Ron Howard com Ben Affleck e Renée Zellweger no elenco, nem Paul Giamatti salva.
• Os oponentes de Jim Braddock foram interpretados por pugilistas profissionais, que tinham como regra principal e absoluta socar o mais próximo de Russell Crowe, sem jamais acertá-lo. Quem não deve ter gostado nada disso foi o próprio Crowe, já que muitas vezes os boxeadores se empolgavam e socavam pra valer. Ah, é bom pra acordar! Eu não senti nada.
• Ao término das filmagens, Crowe contabilizou uma série de contusões, dois dentes quebrados e um pulso fraturado. Ficou banguela, o cara. Tá com peninha dele? Nem eu.
• A atriz Rosemarie DeWitt, que interpreta a vizinha Sara Wilson, é neta do verdadeiro Jim Braddock. Ela é filha de Rosalie Braddock, vivida na fita pela pequena fofurinha Ariel Walker.
• Embora acumule as críticas estadunidenses mais positivas do ano (o que pra mim não deve ser levado em consideração, já que os americanos adoram filmes-clichê), A Luta Pela Esperança amarga outro número extremo: o de pior fracasso do ano. Custou cerca de US$ 88 milhões, sem contar sua divulgação, e arrecadou até o momento apenas US$ 61 milhões.
CINDERELLA MAN • EUA • 2005
Direção de Ron Howard • Roteiro Cliff Hollingsworth e Akiva Goldsman
Elenco: Russell Crowe, Renée Zellweger, Paul Giamatti, Paddy Considine, Craig Bierko, Bruce McGill, David Huband.
144 min. • Distribuição: Universal Pictures.
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