Alguns posts provocam efeitos colaterais interessantes. Quando a Camila postou em seu blog sua viagem ao Peru – ocorrida uma semana depois das minhas andanças naquelas paragens (!) - incluindo o Lago Titicaca e as comunidades indígenas dos Uros, que lá vivem em ilhas artificiais flutuantes, começaram a aparecer leitores que procuravam na internet “como as crianças Uros iam à escola“, e eram direcionadas ao Viaggiando nel Mondo. Até que a Camila descobriu que toda essa audiência era o resultado de trabalhos escolares de instituições que usam determinada apostila de Geografia (Rede Pitágoras, de BH), onde um dos temas de trabalhos em grupo era exatamente sobre a educação dos Uros.
Pois bem, quando postei sobre minhas aventuras em San Andrés, na Colômbia, em especial o mergulho em Rose Cay (El Acuario) com um cardume de arraias, fiquei tão encantado com aqueles belíssimos seres marinhos, tão elegantes em seus movimentos que até lembravam caças espaciais, como escrevi à época, que não resisti e relacionei, no final do post, as naves dos filmes de sci-fi que foram inspiradas em arraias. Quando se vê uma delas “voando” pelo mar, não se precisa nem usar muito a imaginação…
Passou o tempo e não deu outra: um dos termos de busca mais procurados pelos quais os internautas estão chegando no meu blog é exatamente “cylon raider” (abaixo) - o caça de três tripulantes que era a espinha dorsal das forças militares cilônias – seres outrora reptilianos e agora cibernéticos, originários do planeta Cylon – os inimigos da humanidade na série “Battlestar Galactica“, tanto a original transmitida no período 1978/1980, quanto a releitura de 2003/2009.
Como este blog foi originariamente definido como sendo “um blog de viagens, comida, cinema etc” (está no cabeçalho, pay attention please…), e esta parte cinéfila caiu no limbo há muito tempo, resolvi escrever estas mal-traçadas para não deixar frustrados os que aqui aterrissam depois de longas buscas no Google e não encontram o que procuravam. Imaginem, o fanático por sci-fi procurando seus objetos de desejo na Web até altas horas da noite, aí chega no meu blog e descobre que eu estava falando de mergulhos, arraias, espongiários e equinodermos etc. Deve ser uma dor incomparável. Sei como é isso, até porque também sou outro “sci-fanático“. Empatia é isso aí. Então vamos viajar em velocidades superiores às da luz.
1- Battlestar Galactica – 1978 / 1980
No piloto da série, produzido por Glen A. Larson para a rede de televisão ABC e que foi exibido nos cinemas brasileiros (não lembro se vi no extinto Cinema Niterói ou no igualmente extinto Cinema Icaraí, mas vi), vemos na introdução que a raça humana teve sua origem no planeta Kobol e daí se espalhou pela Galáxia, colonizando treze planetas, sendo que doze fazem parte desta, digamos, “federação”, e o décimo terceiro planeta seria a Terra, esquecida há muito tempo na lembrança dos homens. Alguns dizem que este número seria uma alusão às Treze Tribos de Israel ou às Treze Colônias Americanas.
Parênteses: considerem que na época, estava no auge o livrinho “Eram os Deuses Astronautas“, do picareta-mor Erich Von Daniken, que sustentava que ETs haviam entrado em contato com os seres humanos primitivos e acelerado a evolução tecnológica do homem. As provas dessa influência estariam nas Pirâmides, em Machu Picchu, nas lendas da Atlântida e do Triângulo das Bermudas etc. Hoje, Daniken tem um parque temático com todas suas “teorias” em 3D Imax digital e muitas bugingangas para vender (eu fui fã dele naqueles tempos, eu confesso).
Além do megassucesso de Star Wars no ano anterior, a série aproveitou o zeitgeist (espírito da época - hoje estou chique) dos anos 70 e incorporou esses conceitos, tanto na narração introdutória – onde se dizia pomposamente que alguns acreditavam que antepassados dos homens estiveram na Terra, os quais seriam os parentes dos egípcios, astecas, toltecas e maias e blá blá blá – como na utilização de termos e conceitos relativos à Antiguidade Clássica: robôs chamados de “centuriões”, nomes familiares como “Apolo”, ” Atlantis”, “Pegasus” e até o próprio capacete dos pilotos humanos, que lembrava muito o toucado listrado azul e dourado dos faraós egípicios (nemes).
Voltando à história, após uma devastadora guerra de mil anos dos humanos contra os cilônios, estes propõem um acordo de paz, a ser realizado em Caprica (um dos doze planetas mencionados. Cada planeta tinha sua nave de batalha, e a Galactica representava Caprica). Mas tudo não passa de uma crocodilagem (descendentes de répteis, lembram?…) e os cilônios pegam as forças humanas desprevenidas e fazem picadinho da armada humana e de suas colônias.
Depois desse sacode sideral, a única nave de batalha que restou foi a Galactica, que conseguiu fugir a tempo (alguns episódios depois, a Galactica encontra a Pegasus, a qual também sobreviveu ao ataque, mas preferiu trilhar seu próprio caminho) e convocou tudo o que ainda pudesse navegar pelo espaço para acompanhá-la com os sobreviventes da humanidade até a décima terceira colônia perdida e há muito esquecida – a Terra, como vimos.
Liderando essa armada brancaleone, a Galactica passa por várias peripécias para tentar achar o planeta Terra, sendo perseguida impiedosamente pelos cilônios e sofrendo vários ataques pelo caminho, igual a uma Geni espacial.
A BS Galactica (acima) possuía 1.200 metros de comprimento e um esquadrão de 75 caças Viper (abaixo) - os únicos que sobraram do famigerado ataque cilônio. Os personagens principais eram o comandante Adama (Lorne Greene), Apolo, filho de Adama (Richard Hatch), Starbuck, o melhor piloto da frota (Dirk Benedict, que também trabalhou no seriado “Esquadrão Classe A“), e Baltar (John Colicos), o traíra humano que entregou sua raça aos cilônios, sedento de poder e de algum cargo comissionado no Senado de Cylon.
Enquanto Apolo fazia o estilo do piloto “bom-moço”, Starbuck era sua contraparte: fumava charutos (havia algum planeta chamado Cuba?), bebia, jogava e pegava todas, tal e qual um José Mayer das estrelas.
Ainda sobre a Galactica: no início de um episódio, Apolo está numa torre de observação astronômica e comenta com Starbuck que originariamente havia dez torres daquele tipo, mas aquela era a última que restara desde a construção da espaçonave, 500 anos atrás. Ou seja, as naves da classe eram construídas para durar, ao contrário de tudo que VOCÊ tem em casa: seu carro, seu computador, seu MP3, seu celular, seu DVD etc…
Sobre as forças cilônias, eram consideravelmente mais poderosas que as humanas – ainda mais depois do genocídio ocorrido no início da série. A esquadra cilônia era composta das sombrias Cylon Basestars (na tradução da série, ficou nave-base cilônia), tecnologicamente superiores às naves de batalha humanas, não sendo páreo para estas. Com 1.800 metros de diâmetro, carregando 300 raiders, batalhões inteiros de soldados-robôs – os centuriões – mísseis nucleares, canhões laser e megapulsares (descritos como suficientes para detonar uma nave do porte da Galactica com poucos disparos), não seria sensato enfrentá-las diretamente. Para piorar, ainda vinham em formações de três…
E então chegamos ao nosso amigo (?), o cylon raider (a tradução correta seria nave de ataque cilônia, mas ficou como caça). Tripulado por três centuriões – o comandante, o piloto e o artilheiro (ao lado), vinha em massa contra os pobres humanos e qualquer outro que se metesse no caminho do Império Cylon.
Armado com lasers e mísseis e medindo 12 metros X 15 metros, também tinha o hábito de surgir em ondas de três, e o hábito pior ainda de executar táticas kamikazes, jogando-se carregado de explosivos contra as pistas de pouso da Galactica, causando danos consideráveis. Aqui, um aparte: todas essas táticas evocam as utilizadas pelos japoneses contra os americanos na 2ª Guerra Mundial, onde os caças Zero também vinham em ondas de três e se jogavam nos porta-aviões americanos, para causar a maior extensão de danos possível (isso se não fossem derrubados antes).
Ao lado, ataque real de um Zero suicida ao USS Missouri na 2ª G.M.
Voltando ao espaço sideral, os pilotos humanos compensavam a imensa superioridade bélico-numérica de Cylon com estratégias criativas e iterativas, coisa que os cilônios não eram capazes de fazer com a sua programação básica.
A série durou uma temporada de 21 episódios em 1978, e teve uma continuação – Galactica 1980, de apenas 10 episódios, onde finalmente a espaçonave encontra a Terra e os atores que substituíram Apolo e Starbuck inflitram-se entre os terráqueos, aprendendo sobre o nosso modo de vida. Esta continuação foi um fracasso e Galactica foi para o arquivo da emissora.
Curiosidade: em 1978, a 20th Century Fox acionou na Justiça a Universal Studios por plágio, alegando que 34 conceitos de Galactica foram copiados de Star Wars. A Universal imediatamente retaliou, afirmando que Star Wars havia copiado idéias do filme Silent Running (1972), da própria Universal, e dos seriados de Buck Rogers da década de 30. As ações foram arquivadas por “falta de mérito” e tudo terminou em pizza. É, George Lucas, você ganhou dinheiro em 99,9999% das ocasiões, mas não dessa vez… (comentário: de fato, o centurião cilônio é a cara do Darth Vader…)
2- Battlestar Galactica – 2003 / 2009
Vinte e três anos depois, eis que surge um revival da série, com algumas mudanças muito interessantes. Para começar, o episódio original foi uma minissérie de três capítulos exibida em dezembro de 2003 nos EUA, e de cara mostrava uma abordagem do tema e atuações bem mais sombrias, com várias intrigas correndo por baixo do pano de chão do faxineiro da Galactica.
Nesta série, os cilônios foram criados pelo homem para realizar diversas atribuições, entre elas trabalhar em determinadas atividades e… guerrear. Porém, algum bug rolou na programação dos robôs, eles surtaram e se voltaram contra seus criadores. Aconteceu então a Guerra Cilônia, que durou uns treze anos, e um armistício foi declarado. Mas quarenta anos depois os cilônios voltam com tudo e mais uma vez a humanidade é deixada à beira da extinção (ao lado). Desta vez, além dos centuriões de sempre, os estrategistas de Cylon prepararam uma surpresa: cilônios humanos, criados com o propósito de inflitração e desativação dos sistemas de defesa das colônias. Este fito é conseguido através da mais velha de todas as armas…: uma cilônia humana, a Número Seis (Tricia Helfer - abaixo), seduz o Dr. Gaius Baltar (James Callis) e consegue acesso aos códigos secretos para disseminar um vírus que dá um tilt em todas as naves de guerra, exceto a Galactica, que estava fora da área de cobertura justamente porque iria ser descomissionada e transformada num museu em homenagem aos mortos na citada Guerra Cilônia. Às vezes é bom não estar na rede…
Quem pode culpar o pobre Baltar por atender os pedidos tão doces e gentis desta lady?
Após a destruição de tudo que cheirasse a gente, mais uma vez a Galactica consegue fugir, liderando o bando de sobreviventes do genocídio, à procura da Terra, a esquecida colônia que não ousa dizer o seu nome.
Como comandante, William Adama (Edward James Olmos) e como principais pilotos, seu filho Lee Adama (Jamie Bamber) – codinome “Apolo…” e Kara Thrace (Katee Sackhoff) – codinome “Starbuck (!)” – isso mesmo, o mulherengo Starbuck da série original agora é uma mulher (bem gata, por sinal). A luta continua.
A “nova” Galactica possui agora 1.400 metros, 514 canhões secundários e 24 primários (chamados de “Armas de Energia Cinética” – ou seja: balas…) e 12 lança-mísseis, além do seu esquadrão de Vipers.
De todos, o Viper (abaixo) foi o que mais se manteve, digamos, “fiel” ao desenho original. Devido à morte do presidente das doze colônias durante o ataque cilônio, sua Secretária de Educação, Laura Roslin (Mary McDonnell) assume o posto, em uma rápida cerimônia, como exigia a ocasião e o adiantado da hora. O contexto desta cerimônia evoca a posse de Lyndon Johnson após o inesperado assassinato de JFK. Curiosidade: a mesma atriz Mary McDonnell interpretou também a primeira-dama dos EUA em Independence Day (1996), onde faleceu devido à queda do helicóptero presidencial após o ataque das gigantescas naves alienígenas…
Embora a nova série tenha ganho inúmeros prêmios (melhor ator, melhor série, melhor coadjuvante, melhores efeitos etc.), no início, alguns críticos contestaram o fato de os humanos apresentados na série adotarem o american way of life, mesmo pertencendo a outra civilização humana que não era a nossa. Como exemplo, o uso de ternos e gravatas, a mídia onipresente, jipes hummers (!) circulando nas bases coloniais antes do ataque cilônio, e a própria nave da Presidente Roslin, a “Colonial One”, cujo nome e pintura lembram imediatamente o Air Force One, da presidência americana. Mas isso é explicado no final da série, que não vou contar…
E do lado cilônio? Bom, já mencionei, mas ainda não mostrei uma foto do centurião básico, desta vez feito em computação gráfica:
O centurião é o “burro de carga” das forças terrestres de Cylon. Com uma blindagem completa, grande agilidade nos membros e na locomoção e equipado com diversas arams conforme a ocasião, é um formidável oponenete a ser considerado, especialmente se você está ferido e sozinho num prédio abandonado e percebe que eles estão se aproximando, no modo “search and destroy“, ou seja, “pega, mata e come”.
O fato dos cilônios terem sido renderizados em CGI na nova série causou um problema social para os “antigos” cilônios…
Mais uma vez, a espinha dorsal da esquadra cilônia é a Cylon Basestar, desta vez fazendo jus ao seu nome, pois consiste agora de duas estruturas em forma de Y sobrepostas. Seu comprimento é de 1.030 metros e é armada com mísseis comuns e nucleares, além do tradicional esquadrão de cylon raiders (abaixo).
E mais uma vez chegamos ao “novo” Cylon Raider, agora um ser cibernético, ao contrário do “anterior”, que era um equipamento tripulado por robôs – o que, convenhamos, não fazia muito sentido, pois seria muito mais prático que a própria nave fosse robotizada. E assim foi feito.
Em forma de foice e medindo 9 metros X 6 metros, o atual raider possui dois canhões e mísseis. Quando destruído, suas vivências de combate são, digamos, downloadeadas para uma nave de “ressurreição”, onde o novo raider “renasce” com mais experiência, e, portanto, mais hábil e letal. Espiritismo cibernético. Justamente por isso, são capazes de sentir a dor e o trauma da “morte”. Não sabemos se existem psicanalistas no Império Cylon para tratar desses casos.
Abordando – entre outras questões filosóficas interessantes – o fato de uma das causas do conflito entre Cylon e os Humanos ser religioso – na série, os humanos são politeístas e os cilônios, monoteístas (!), os diferentes pontos de vista de cada lado (os cilônios consideram os seres humanos “maus” devido aos acontecimentos da primeira Guerra Cilônia), as crises de identidade dos cilônios humanos e as tradicionais referências à mitologia terrestre, a série foi um sucesso e só terminou este ano, com chave de ouro.
Curiosidade: o ator Richard Hatch, que interpretou o capitão Apolo na série original, volta nesta série como Tom Zarek, um ativista político que passa ao terrorismo ao explodir um prédio do governo, antes do ataque de Cylon (comentário: os anos não lhe foram gentis…)
Bem, espero que agora, quem chegar até aqui procurando por cylon raiders e similares fique satisfeito. Eu ficaria. Ou não?
Saudações.
FONTES:
http://www.battlestarwiki.org/
http://en.wikipedia.org/wiki/Battlestar_Galactica
http://www.imdb.com
http://www.tecr.com/galactica/capships/basestar.htm
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