Sunday, November 8, 2009

A influência da Obra Homérica no cinema de ficção científica

Por Fabio Fernandes de Lima

Vamos começar falando dos aedos, aqueles que cantavam as histórias na antiguidade, verdadeiras enciclopédias vivas que se preparavam para ver o oculto, o invisível, a sabedoria e luz dos deuses através da música e da arte. Homero certamente foi o maior dos aedos, ainda que este tenha sido um nome próprio, ou mesmo que esta seja a nomenclatura utilizada para designar um grupo distinto de poetas, torna-se totalmente irrelevante dada a genialidade das obras atribuídas a esse nome. Importante de fato, é o papel que este legado possui até hoje de influenciar a indústria artística e sua segmentada diversidade, sobretudo o Cinema clássico de ficção científica.

Damos o nome de “clássico” a tudo aquilo que tem seu valor posto à prova pelo tempo, então o que dizer de Homero?

O cinema sempre teve a literatura (sobretudo a “clássica’) como fonte inspiradora, seja colocando na tela suas histórias, seja recriando seu proceder narrativo. Com Homero o cinema “aprendeu a fazer uso do flashback e da cronologia,” aprendeu também que seus personagens e estilo podem ser adaptados e transferidos para qualquer época, sem perder seu caráter épico.

Fonte: omelete.com.br

O filme Matrix (1999), baseado na obra de Willian Gibson e dirigido pelos irmãos Wachowski, faz parte dessa abordagem da repetição de elementos da épica no cinema Sci-Fi. Nesse filme temos o herói Neo, intitulado como o “escolhido”, lutando contra uma inteligência artificial que se autodenomina “a Matriz”, que aos moldes da épica intervem na ordem das coisas e no destino dos humanos, assim como os deuses intervinham. Neo carrega peculiaridades que o assemelham aos heróis criados por Homero, suas fraquezas e crenças em diversos momentos nos lembram os feitos de Odisseu, Neo assim como Odisseu, ignorava inicialmente em certos aspectos sua natureza humana, e encarava o sobrenatural com desdém. Como se dá em toda épica de guerra, Neo perde entes queridos e se vê obrigado a compreender que numa guerra não existem vencedores, e tudo aquilo que foge do entendimento limitado do homem deve ser respeitado.

Fonte: omelete.com.br

No futuro representado em 1964 na série Jornada nas Estrelas de Gene Roddenberry, a Terra do ano de 2245 é apresentada de uma maneira utopicamente bucólica, despoluída, racional, livre do dinheiro e suas implicações capitalistas, onde quase todos são devotados à pesquisa e a diplomacia com os demais povos do Universo. Nessa Terra livre de preconceitos e unificada em seus propósitos, vemos novamente o retrato de uma Feácia idealizada por Homero. As naus por sua vez são substituídas por gigantescas naves espaciais, onde se destaca a USS Enterprise, operada por sua tripulação multi-étnica, onde seus tripulantes obedeciam pragmaticamente às leis da federação.

Fonte: omelete.com.br

No filme A Guerra dos Mundos, adaptado da história de H. G. Wells, uma guerra travada entre homens e alienígenas cujo desfecho genial remete seu contexto à épica, sobretudo no que se refere aos modos como uma guerra pode ser vencida de uma forma aparentemente

simples. A guerra na história de Wells é vencida pelos humanos, quando de forma imprevista os aliens são infectados com o vírus da gripe (praticamente inofensivo para os terráqueos, porém letal para sua raça), essa infecção se assemelha a derrocada de Tróia quando o “cavalo de madeira” é recebido inocentemente através de seus “supostos portões intransponíveis”.

Fonte: omelete.com.br

No ano de 1978 um cineasta (nessa época iniciante), chamado George Lucas, coloca nas telas aquilo que viria a ser um dos maiores fenômenos cinematográficos de todos os tempos. Após uma série de diálogos com o mitólogo Joseph Campbell, Lucas cria a epopéia moderna mais lucrativa e que conta com a maior legião de fãs jamais vista até hoje:

Star Wars, filme que rendeu ainda outros cinco longas-metragens, e um conglomerado de produções, numa gama surpreendente de segmentos como HQs, livros, curtas-metragens, desenhos animados e atualmente uma série animada em 3D, sem contar os demais produtos que remetem a franquia. A épica estelar de Lucas conta a história de Anakin Skywalker, um guerreiro monge de uma antiga tradição chamada Jedi (leia-se jedai). Os Jedi são adeptos da Força, interagindo com a mesma sem tirar proveitos mundanos ou beneficios próprios. A Força é a energia vital que compõe todos os elementos e é onisciente, onipresente e onipotente. Aqueles que por ventura se apaixonam pela Força buscando alcançar o poder máximo sem qualquer escrúpulo são chamados de Sith, ou adeptos do Lado Negro. Os Jedi possuem as mesmas atitudes políticas, bem como alguns princípios filosóficos do homem helênico, reúnem-se num conselho deliberativo e defendem uma república. Destacam-se nessa épica espacial figuras fantásticas como o velho monge

jedi Yoda, seu pupilo Luke e o Lorde Negro Darth Vader. Este último, que dá uma reviravolta em um dos filmes, abandona o Lado Negro da Força para salvar Luke (seu filho) e trazer equilíbrio à Força. É bom lembrar que o elemento da peripécia como nesse caso, é muito semelhante às correntes peripécias da épica homérica.

Fonte: omelete.com.br

Um filme cultuado pelo underground da ficção científica é a obra-prima de Frank Herbert (1920 – 1986), Duna, tem o embasamento curioso de criar um amálgama entre o passado e o futuro, sendo que esse futuro se assemelhava à Antiguidade Clássica no que concerne ao emprego de elementos mágicos e maravilhosos. Nesse filme temos desde guildas de navegadores e linhagens da nobreza, até sacerdotes visionários, onde até mesmo o nome Atreydes (semelhante à atreu), designado a uma das tribos do deserto de Duna, parece ter sido “roubado” de Homero.

Há quem diga que o cinema Sci-Fi é a nova Mitologia. O que se sabe é que isso só poderá ser respondido com clareza, talvez, apenas pelas próximas civilizações, que se verão a cargo de fazer deste julgamento. Mas é certo dizer que a ficção científica cinematográfica interage com as mesmas forças místicas, satíricas e talvez utópicas que a Literatura Clássica nos propôs, e produziu um corpus com inúmeras perspectivas para contar histórias e narrativas que numa busca de imitar os clássicos épicos, acaba por nos conceder muito mais que entretenimento.

Seria essa a nossa forma de dizer:

- Longa vida a Homero!

 

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